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Edição: Hugo Julião
05:51
18/07/2021

Youtubers de Cuba irritam o regime com vídeos sobre sexo, humor e política

“Nunca faça isso bêbada”; “Terminei com meu namorado, conto tudo”; “Minha mãe responde aos meus seguidores”.

Até uma semana atrás, a youtuber cubana Dina Stars postava em seu canal vídeos com títulos como esse.

Os temas, a estética e a linguagem em nada destoavam do conteúdo produzido por outros jovens que usam a rede social em qualquer lugar do mundo.

No domingo (11), Dina postou um vídeo direto dos protestos que explodiram contra o regime cubano em toda a ilha.

Na terça (13), ela foi presa em sua casa, quando dava uma entrevista para uma TV espanhola.

"A polícia está aqui fora, tenho que sair", contou, nervosa. "Vão prendê-la ao vivo", diz a apresentadora, incrédula.

Dina volta e, olhando para a câmera, declara: "Torno o governo responsável por qualquer coisa que possa me acontecer."

O vídeo viralizou, e iniciou-se uma campanha dentro e fora de Cuba para que ela fosse solta.

Na quarta, Dina foi libertada. Antes até de tomar banho ou falar com a mãe, postou no Instagram um vídeo dizendo que estava bem.

No Twitter, deu mais detalhes:

Cheguei em casa depois de passar 24 horas em um calabouço como se eu fosse criminosa. Sim, me trataram bem, mas de qualquer forma é uma noite que não desejo a ninguém”, escreveu.

Youtubers cubanos, que ficaram famosos após a chegada da internet móvel e irritam o regime (Reprodução)

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Dina é cria de uma geração de cubanos que se tornaram influenciadores digitais depois da popularização da internet na ilha.

Isso ocorreu especialmente após a chegada da rede 3G para celulares em 2018.

A influenciadora é um exemplo entre vários que se uniram às manifestações. Ela não foi a única presa.

Ariel Falcón, do Twitter @YoUsoMiNasobuco, Liam, do instagram @soy_liam, e Enrique Alonso, do canal no Youtube  Talento Urbano The Show, estão entre os que seguem detidos, segundo familiares e ativistas.

San Antonio de los Baños é uma pequena cidade da província de Artemisa, perto de Havana. Possui aproximadamente 50.000 habitantes

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Os protestos começaram em San Antonio de los Baños e se alastraram rapidamente para outras cidades.

Transmissões dos atos postadas ao vivo no Facebook — as “directas”, como dizem os cubanos —, muitas delas por usuários desconhecidos na internet, contribuíram para chamar mais público.

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Ao falar do episódio, o líder do regime cubano, Miguel Díaz Canel, culpou os youtubers, chamando-os de “delinquentes” que “manipulam as emoções da população por meio das redes sociais”.


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Os influencers que fizeram os cubanos saírem às ruas foram a fome, a miséria, a falta de medicamentos, a ditadura. Nós não temos culpa, apenas mostramos a realidade”, rebate Ruhama Fernández, 22, que tem um canal no YouTube com seu nome.

“Ninguém esperava que isso acontecesse. [O protesto] não foi planejado, não foi um ou vários influencers que disseram que se faria tal dia a tal momento.”

Moradora de Santiago de Cuba, Ruhama é uma das poucas que vivem na ilha e criticam explicitamente o regime em seus vídeos.

Fora da ilha há muitos cubanos que fazem conteúdo frontal contra o regime. Aqui dentro é mais complicado. Eu faço isso desde o começo do meu canal e passei por muitos inconvenientes: repressão, perseguição a mim, a meus amigos e à minha família”, contou ao jornal Folha de S.Paulo.

Segundo ela, o que aconteceu agora é que outros influenciadores que falavam de moda, maquiagem, viagens ou comédia estavam também insatisfeitos com a situação e decidiram ir às ruas ou postar campanhas de apoio aos manifestantes em seus canais.

Ruhama disse que tem medo de ser presa e por isso está escondida.

Ela decidiu transformar seu canal em uma “prova diária de vida”, postando todas as manhãs um vídeo ao vivo dizendo que está em segurança.

Se eu não postar um vídeo algum dia de manhã é porque estou presa ou desaparecida”, diz.

Estão entrando nas casas e levando as pessoas. Vejam o Ariel [Falcón], tem milhares de seguidores no Twitter e mesmo assim continua detido.”


Ariel foi solto nesse sábado (17) à noite, veja o twitter:

(Reprodução/ Twitter @YoUsoMiNasobuco)

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No domingo (11), às 16h, a internet caiu na ilha. O regime nega que tenha sido de propósito, mas ativistas dizem que é uma prática que já aconteceu em outros momentos e que foi premeditada.

Segundo o cubano radicado em Miami Norges Rodríguez, fundador do portal sobre tecnologia Yucabyte, crítico ao regime, várias iniciativas internacionais que monitoram a internet no mundo confirmaram o apagão geral.

 

Norges Rodríguez, fundador do portal sobre tecnologia Yucabyte

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Ele afirma que depois de algumas horas foi bloqueado o acesso somente às redes sociais, o que durou mais de um dia.

Esse bloqueio parcial costuma ser burlado pelos internautas. “Mas quando derrubam a internet por completo, não tem jeito, o país fica apagado”, diz Rodríguez.

Em sua visão, o acesso à internet em Cuba, após décadas em que as notícias eram controladas pela mídia oficial, é uma versão moderna da Perestroika (reformas que levaram à abertura da antiga União Soviética).

“Abriu os olhos das pessoas. Elas começaram a ver conteúdo que nunca viram, a ter acesso às notícias do mundo, a fazer comparações.”

O brasileiro David Nemer, professor da Universidade da Virgínia, pesquisa os aspectos socioculturais do uso da internet em Cuba.

Segundo ele, há diferentes grupos entre os que usaram as redes sociais para protestar nesta última semana.

Ele afirma que a existência dos influenciadores digitais é uma novidade inclusive para as autoridades cubanas, que não sabem como lidar com eles.

“É a primeira geração digital de Cuba. Eles estão acostumados com a forma de se comunicar da internet, de emitir opinião do jeito que querem, e o governo não sabe lidar com críticas, vê isso como um perigo”.

Em sua opinião, bloqueios à internet na ilha podem até atrapalhar pontualmente a extensão de um protesto, mas não impedem mobilizações futuras.

“Agora abriu a porteira, eles já viram que têm possibilidade de se organizar. Acho que os protestos vão virar uma coisa mais presente na vida dos cubanos, e o governo sabe disso.”

Com informações da Folha de S.Paulo e agências internacionais

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