Em Tóquio-2021, três incidentes significativos reacenderam o debate sobre a participação de cavalos em competições.
A treinadora alemã Kim Raisner foi expulsa após ser flagrada agredindo um cavalo durante uma prova de pentatlo moderno.
Anteriormente, o cavalo Jet Set, montado pelo suíço Robin Godel, foi sacrificado aos 14 anos após sofrer uma ruptura ligamentar na pata dianteira direita durante uma prova de cross-country no concurso completo de equitação (CCE), o que o deixaria manco.
Alexandre Loureiro/COB / Foto: Lance!
Casos de sacrifício de equinos ocorrem quando há lesões nos membros inferiores, devido à extrema dificuldade de recuperação completa.
Na região dos cascos, os cavalos possuem poucos músculos, contando principalmente com ossos, tendões, nervos e vasos sanguíneos.
Como pesam mais de 500 kg, corridas e saltos causam grande impacto. Se uma pata for gravemente lesionada, o cavalo precisará se sustentar nas outras três, o que pode causar problemas adicionais severos, como a laminite, uma inflamação das partes moles do casco que provoca intensas dores.
Nessas situações, cabe ao veterinário e ao tutor do animal decidir qual a melhor ação para evitar o sofrimento do cavalo.
Na mesma época, a imagem do cavalo Kilkenny, com sangramento na narina durante uma prova de saltos sob o comando do irlandês Cian O’Connor, gerou repercussão.
Quando isso ocorre, a atividade deve ser imediatamente interrompida pelo cavaleiro ou pela organização.
Às vésperas dos Jogos Olímpicos de Paris, a multicampeã olímpica Charlotte Dujardin foi suspensa pela Federação Equestre Internacional (FEI) e desistiu de participar do evento após a divulgação de um vídeo gravado quatro anos antes, mostrando-a chicoteando um cavalo.
Antes da prova de adestramento do CCE nas Olimpíadas de Paris, o brasileiro Carlos Parro foi advertido pela FEI por causar “desconforto desnecessário” à sua égua Safira durante um treinamento, ao induzi-la a manter o pescoço flexionado para baixo, com a testa apontada para o solo. Essa posição prejudica a respiração do cavalo e é proibida.
A reportagem do Estadão acompanhou de perto o trabalho da equipe veterinária que atende o cavaleiro brasileiro João Victor Oliva, filho da ex-jogadora de basquete Hortência, e seu cavalo Feel Good durante a prova de adestramento dos Jogos de Paris, em Versalhes.
"Um veterinário do evento mede a temperatura do cavalo antes e depois da prova com um termômetro, fornecendo uma indicação para nós. A temperatura normal de um cavalo é até 38,5ºC. Durante o exercício, essa temperatura aumenta. Por isso, após a prova, colocamos os cavalos sob uma tenda com ventiladores e água gelada. A frequência cardíaca e a temperatura são monitoradas por esse veterinário, e quando voltam ao normal, o cavalo é liberado para ir para a baia. Após o resfriamento, fazemos uma sessão de gelo, oferecemos comida e água", explica o veterinário Henrique Macedo, destacando que o bom desempenho na modalidade está diretamente ligado aos cuidados com os cavalos.
"Só conseguimos alta performance se priorizarmos o bem-estar animal, mantendo-os saudáveis e felizes. Antes das provas, todos os cavalos têm acesso a uma área para pastagem e caminhadas duas ou três vezes ao dia, para não ficarem presos na baia o tempo todo. O treinamento é realizado em uma ou duas sessões diárias de 30 minutos a uma hora, dependendo do temperamento e da modalidade", acrescenta o veterinário.
O brasileiro Yuri Mansur, competidor de saltos, recepcionou sua égua Miss Blue na terça-feira, em Versalhes.
Ela veio da Holanda de caminhão, em uma viagem de seis horas. No primeiro contato, a preocupação é com a possível agitação do animal.
"Por estarem fora de casa, os animais ficam mais curiosos. É um dia para fazer tudo com calma e permitir que se ambientem", comenta Mansur.
Com Miss Blue, Mansur estima um gasto mensal entre 15 mil e 18 mil reais na cotação atual.
"É um cálculo difícil de fazer, pois há muitas variáveis. Gastamos entre 2,5 e 3 mil euros por mês com o cavalo, incluindo alimentação, medicação e fisioterapia".
Um cavalo desse nível, no auge de sua capacidade, pode ser vendido por pelo menos três milhões de euros (cerca de 18 milhões de reais).
Para competir em alto nível no hipismo, cada conjunto conta com uma equipe multidisciplinar, onde o contato diário com o animal é essencial para alcançar bons resultados.
“Muitos cavalos não chegam a esse nível. Eu mesmo domei o Feel Good. Cada equipe inclui ferrador, veterinário, nutricionista, cuidadores, fisioterapeuta, treinador e cavaleiro. São muitas pessoas envolvidas para realizar um trabalho de alto nível. Minha rotina de treinos com esse cavalo é diária, variando as atividades para evitar lesões. Diariamente, monto de sete a nove cavalos”, relata Oliva, que competiu em três Olimpíadas, cada uma com um cavalo diferente.
Sob o sol escaldante de Versalhes, muitos cavaleiros apontaram o calor como um desafio no desempenho da prova de adestramento.
Oliva concordou, mas preferiu não comentar sobre a responsabilidade da organização em considerar a realização da prova em um espaço coberto e climatizado.
“Eles têm pessoas para pensar nisso. Minha função aqui é competir. O evento está bem organizado. Foi o primeiro dia de calor. É difícil planejar com antecedência sem saber as condições climáticas”, explicou Oliva. O veterinário de sua equipe observou que horários mais frescos são preferíveis para competições de hipismo. “Temos algumas provas indoor, principalmente no inverno. No verão, as provas são ao ar livre, mas normalmente em horários mais frescos do dia”, avalia Macedo.
Com informações do Estadão