Ciência é coisa séria e a manipulação de suas informações deveria ser considerado um crime contra a humanidade.
Ao longo da pandemia, que nos trouxe tantas mortes em todo o planeta, a ciência passou a ser manipulada por grande parte dos formadores de opinião para justificar sua visão de mundo.
Mesmo que para isso, neguem a própria ciência, escondendo estudos, criando mitos e contando com o apoio da grande maioria da mídia.
Para isso, jornais e emissoras de TVs deixam de divulgar estudos que não correspondam à ideologia que predomina entre aqueles que estão encastelado em suas torres de marfim em busca de um mundo que seja compatível com seus ideiais.
Sempre com base de que os fins justificam os meios, mesmo que esses meios sejam espúrios.
Por isso, estou publicando este artigo escrito por Miguel Menezes e Tiago Mendes para o jornal Observador, de Lisboa, Portugal.
Se você tem interesse no assunto, não deixe de lê-lo.
Hugo Julião
Editor
Será que foram tomadas medidas exageradas, com consequências devastadoras, baseadas em pressupostos errados?
Como permitimos que tal acontecesse sem nunca haver o devido escrutínio?
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Quão provável é a transmissão assintomática do vírus SARS-Cov2? E quão relevante é essa possibilidade, hoje e no futuro próximo?
Estas duas questões são absolutamente essenciais e por isso é necessário resgatá-las para um debate alargado e plural.
A potencial transmissibilidade do SARS-CoV-2 através de indivíduos assintomáticos tornou-se um dos pilares dos planos de “combate” à crise sanitária do último ano e desde aí pouco ou nada se discutiu.
Foi com base nesta premissa que se geraram esforços muitíssimo dispendiosos no encalce dos assintomáticos, acreditando que eles constituíam um motor de propagação da pandemia relevante o suficiente que justificasse o custo brutal imposto à sociedade – não apenas direto, mas indireto também, em consequência das políticas adoptadas.
Neste artigo faremos uma revisão dos acontecimentos e dos principais artigos científicos que se debruçaram sobre esta questão, absolutamente central no desenrolar da putativa pandemia.
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1- Como surgiu a crença de que os assintomáticos são agentes de transmissão?
Historicamente, o papel dos assintomáticos na transmissão de infeções respiratórias foi sempre relativizado. A ideia consensual sempre foi a de que a transmissão assintomática seria muito mais rara e menos importante do que a que ocorre nas pessoas com sintomas.
Anthony Fauci, diretor do National Institute of Allergy and Infectious Diseases norte-americano e um dos principais membros da equipa da Casa Branca destacada para a COVID-19, afirmou a 28 de janeiro de 2020:
“O que as pessoas precisam perceber é que, em toda a história de vírus respiratórios de qualquer tipo, mesmo que haja alguma transmissão assintomática, esta nunca foi a propulsora de surtos.
Os surtos são sempre essencialmente dependentes do contágio em pessoas sintomáticas.
Mesmo que haja um raro evento de transmissão por uma pessoa assintomática, uma epidemia não é causada por nem evolui com base em portadores assintomáticos.”
Dois dias após a declaração de Fauci (a 30 de Janeiro de 2020), surgiu uma carta dirigida aos editores e publicada no New England Journal of Medicine (NEJM) com um caso de uma transmissão por um indivíduo assintomático.
O polémico Fauci, que tem sido muito criticado por alegados conflitos de interesse com a indústria farmacêutica, reformulou subitamente toda a sua posição anterior, afirmando:
“Não há dúvidas, depois de ler a carta [do NEJM], de que a transmissão assintomática é uma possibilidade (…). Isto esclarece a questão.”
Esta posição de Fauci, aparentemente definitiva, daquele que é denominado frequentemente como “o maior especialista em doenças infeciosas dos Estados Unidos”, atraiu enorme atenção mediática. No entanto, o citado estudo apresenta irregularidades irreparáveis.
O estudo foi baseado no suposto contágio a partir de uma mulher de negócios chinesa numa visita à Alemanha. Na carta, os autores do estudo referiam:
“Durante a sua estadia, ela estava bem, sem sinais ou sintomas de infeção, mas adoeceu no voo de volta para a China.”
Essa informação revelou-se falsa.
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A cidadã chinesa apresentava realmente sintomas durante a sua estadia na Alemanha, quando entrou em contacto com o alemão que adoeceu, como relatado pela revista Science, poucos dias após a publicação da carta.
O Instituto Robert Koch (RKI), a agência de saúde pública do governo alemão, em conjunto com a Autoridade de Saúde e Segurança Alimentar do estado da Baviera contactaram a mulher chinesa somente após a publicação do NEJM.
Na Alemanha não foi realizado qualquer teste para confirmar a eventual infeção com o vírus. A cidadã foi testada para o SARS-CoV-2 apenas na China, logo após o seu retorno da Alemanha, tendo sido obtido um resultado positivo.
Os investigadores não chegaram sequer a interagir com a mulher antes da publicação do artigo.
Um dos autores, Michael Hoelscher, do Centro Médico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique, afirmou que o documento se baseou em informações de outros quatro pacientes:
“Disseram-nos que a paciente da China não aparentava qualquer sintoma.”
Michael Hoelscher, do Centro Médico da Universidade Ludwig Maximilian de Munique e o virologista Christian Drosten, do Charité University Hospital em Berlim
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O virologista Christian Drosten, do Charité University Hospital em Berlim, que fez o trabalho de laboratório para o estudo (do qual é um dos autores), disse à Science:
“Sinto-me mal com o que aconteceu, mas acho que ninguém foi culpado.” (…) “Aparentemente, a mulher não pôde ser contactada num período inicial e considerou-se que se tratava de algo que deveria ser comunicado rapidamente.”
Causa estranheza a publicação de uma carta tão fracamente fundamentada numa revista científica conceituada, e sobretudo as repercussões que teve ao gerar peso mediático suficiente para que a transmissibilidade dos assintomáticos viesse a ocupar um papel chave no corpo conceptual relativo à COVID-19.
O retratamento dos autores da carta não chegou para que Fauci voltasse a alterar a sua posição relativamente à questão dos assintomáticos.
Maria van Kerkhove, líder técnica do programa de emergências da OMS (Christopher Black/OMS)
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A crença de que os assintomáticos constituíam grave perigo difundiu-se e avolumou-se, pelo que as declarações de Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da Organização Mundial de Saúde (OMS), a 8 de Junho de 2020, caíram como uma bomba ao referir que as transmissões por assintomáticos eram “muito raras”:
“Possuímos muitos relatórios de países que estão a fazer rastreamentos muito detalhados dos contactos com casos assintomáticos, não encontrando transmissões secundárias. Trata-se de algo raro e que ainda não foi publicado na literatura”.
As declarações foram divulgadas por toda a comunicação social a nível mundial e provocaram fortes reações.
De um lado, reações de perplexidade, dadas as medidas adotadas com base nesse pressuposto; de outro lado, reações críticas. Fauci foi um dos críticos.
Van Kerkhove apressou-se a fazer nova intervenção, logo no dia seguinte, dando a ideia de algum recuo ou retratação em relação ao que havia proferido.
Referiu que a sua afirmação sobre a transmissão entre assintomáticos ser bastante rara baseava-se nalguns estudos e rastreamentos feitos por vários países, mas que tal seria insuficiente para poder afirmá-lo peremptoriamente, porque os modelos informáticos estimaram cerca de 40% de transmissões entre assintomáticos.
Esta intervenção informou-nos de algo fundamental: os estudos no terreno dizem que as transmissões de assintomáticos são “bastante raras”, mas os modelos informáticos, que não são reais e dependem daquilo que neles é inserido, dizem que são significativas (40%).
2- O que dizem os estudos científicos?
São escassos os estudos que sugerem que os assintomáticos têm algum impacto na transmissão, tendo além disso, merecido críticas (algumas reconhecidas pelos próprios autores).
1) Falta de qualidade geral de revisões sistemáticas. Por exemplo, grande heterogeneidade dos estudos.
1) Estudo proveniente da China, pouco replicável noutros pontos. Muito controlo no que é publicado naquele país.
2) Muita dependência de testes PCR e dos protocolos usados (por exemplo, ciclos limite). Produzem número significativo de Falsos Positivos quando a amostra é grande.
3) Grande dependência de modelos matemáticos e das suas pressuposições.
4) Retrospetivo e, por isso, baseado em relatos pessoais, dependentes da memória, e como tal, menos fiáveis.
1) Estudo proveniente da China, com os problemas daí resultantes já referidos.
Efeito Moderado na Transmissão:
Um estudo sugeriu um impacto menor, mas ainda estatisticamente significativo. No entanto, também se trata de um estudo retrospectivo.
Efeito Reduzido ou Nulo na Transmissão:
Vários estudos (aqui, aqui, aqui, aqui e aqui) concluíram que a transmissão entre assintomáticos era muito reduzida ou até mesmo nula. [22] Alguns apresentam boas metodologias, mas outros também não são isentos de algumas críticas.
Um dos estudos, [22] publicado na Nature, escapa à maioria das críticas, por apresentar uma amostra enorme (N = 10 milhões) e a confirmação laboratorial dos infectados.
Nesse estudo, a evidência apontou para uma transmissão assintomática residual ou mesmo nula. Algumas outras revisões sistemáticas apontam na mesma direcção
3- O que dizem as agências de saúde?
“Com base no que sabemos atualmente, a transmissão de COVID-19 ocorre principalmente em pessoas quando elas apresentam sintomas (…)”
European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC)
“As principais incertezas permanecem em relação à (…) dinâmica geral de transmissão da pandemia, devido à evidência limitada sobre a transmissão de casos assintomáticos.”
4- Conclusão
Os assintomáticos nunca foram considerados decisivos em epidemias ou pandemias, sobretudo nas que estão ligadas a doenças respiratórias. Mesmo quando se questionou este tema, as evidências científicas demonstraram-no. [25]
Sintomas como a tosse, espirros e corrimento nasal (isolado ou associado a espirros) parecem ser determinantes para a disseminação dos vírus. [1]
Segundo o Dr. Pedro Ladeira, especialista em microbiologia clínica e responsável pela área de infeciologia em algumas das maiores multinacionais farmacêuticas de investigação durante mais de 20 anos, não existem “assintomáticos contagiantes”, porque o seu sistema imunitário reduz a carga viral abaixo de um limiar onde não existem sintomas; e, se não há carga viral suficiente, não pode haver contágio para terceiros.
A contribuição que o relato de um caso – que não foi devidamente confirmado – teve na mudança de um paradigma científico com décadas de existência tem tanto de surpreendente como de preocupante.
Constitui um sério alerta para a fragilidade do edifício científico atual que tem vindo a ficar gradualmente mais dependente de interesses económicos.
Este é também mais um dos sobejos exemplos em como modelos informáticos, que dependem inteiramente de hipóteses especulativas, podem falhar rotundamente, impulsionando crenças.
Torna-se inevitável terminarmos como começámos:
Será que foram tomadas medidas exageradas, com consequências devastadoras, baseadas em pressupostos errados? Como permitimos que tal acontecesse sem nunca haver o devido escrutínio, discussão e revisão de ideias, à medida que surgiam novos estudos?
É com base na ideia da relevância da transmissibilidade por via assintomática que se estimula o uso de máscaras, entre inúmeras outras medidas muito provavelmente desnecessárias, desproporcionais e infantilizadoras, que além do mais, são muito dispendiosas para os contribuintes (testagem massiva, recursos de proteção além do necessário e proporcional, etc.).
Urge, por isso, debater esta crença e corrigir o que for possível – em tempo útil.
Errar é humano, mas alongar-se no erro, a poucos meses da próxima época gripal, seria absolutamente indesculpável.