04/08/2021 18:17

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Na semana passada, o Museu da Língua Portuguesa surpreendeu muita gente ao usar a palavra “todes” em seu anúncio de reabertura. Mais: a entidade propôs o debate acerca do “subdialeto”.

Considerada inicialmente como inofensiva, a discussão já contamina o sistema de ensino e até empresas privadas.

A Revista Oeste conversou com o analista político e escritor Flavio Morgenstern sobre o assunto.

Flavio Morgenstern é escritor, analista político, palestrante e tradutor. Seu trabalho tem foco nas relações entre linguagem e poder e em construções de narrativas.

É autor do livro "Por trás da máscara: do passe livre aos black blocs".

Tem passagens pela Jovem Pan, RedeTV, Gazeta do Povo e Die Weltwoche, na Suiça.

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Confira, abaixo, os principais trechos da entrevista.

 

1 — Qual a origem da chamada “linguagem neutra”?

As discussões começaram em grupos feministas norte-americanos, no auge da radicalização de maio de 1968. Livros como The Handbook of Nonsexist Writing e The A–Z of Non-Sexist Language foram criados para retirar elementos que marcassem gênero das palavras.

Contudo, essas identificações variam. As feministas dos EUA escolheram um péssimo idioma para enfiar a ideologia revolucionária: o inglês.

O artigo the é universal: masculino, feminino, neutro e plural.

As marcas ficam apenas em pronomes (he, she, it) e nos próprios substantivos e nomes: wife, por exemplo, é esposa, e husband, marido. A exigência foi usar algo genérico, que não classificasse o gênero, como o they — eles.

Outras línguas, porém, marcam gênero nesse pronome: o português tem “eles” e “elas”. O que é neutro em uma língua pode não ser em outra.

 

2 — A língua portuguesa tem condições de absorver as mudanças que os ativistas propõem?

Nenhum idioma tem. Variações e determinações linguísticas ocorrem naturalmente, e não por imposição ideológica de algum grupo.

Desafio qualquer defensor da “gramática trans” a conseguir falar por dois minutos com a suposta “linguagem neutra”.

Além de não conseguirem pedir uma laranja ou um pepino, ainda terão sérias dificuldades com palavras que mudam de sentido conforme trocam de gênero: “a cura” é uma solução médica, “o cura” é um religioso; “a grama” nasce no quintal, entre outros.

A linguagem neutra não é frescura, mas sim uma destruição perigosa.

 

3 — Quais países aderiram ao “subdialeto”?

Países da União Europeia aceitaram o terraplanismo linguístico com assustadora rapidez.

O que é sempre contraditório, já que você encontrará cerca de 20 palavras com marcações de gênero, inclusive para pessoas, em documentações, só para deixar a militância feliz.

Aí, incluem-se Espanha, França, Suécia, Alemanha, Áustria, Holanda, Finlândia, Noruega, Grécia, Sérvia e Israel, entre outros.

 

4 — Como ficam os ajustes na língua para os deficientes visuais e auditivos?

São um público que precisa de marcas na língua até para saber com quem estão falando. Pergunto: como um aplicativo de leitura vai conseguir reconhecer as palavras alunxs, elus ou professor@s? É uma frescurite com preço altíssimo.

 

5 — O Museu da Língua Portuguesa não condenou o uso da linguagem neutra, mas sim defendeu o debate sobre seu uso. O que você pensa acerca disso?

Na Bíblia, no livro de Juízes, os homens de Gilead conseguiam identificar quem eram os homens de Efraim apenas pedindo para pronunciarem a palavra shibboleth.

O termo identifica uma palavra usada apenas por um grupo dentro de uma comunidade maior, por exemplo.

Os gramáticos do museu deveriam saber disso.

Ao tratar da linguagem neutra, o museu está “defendendo o debate” sobre o uso de um termo empregado apenas por revolucionários radicais.

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