Faltavam ainda 15 dias para o que o jornal o Estado de São Paulo (Estadão) chamava de “reinado legítimo do Momo”, mas São Paulo e outros pontos do país já tinham desistido de esperar a data oficial.
Depois de uma pandemia que matou milhares de brasileiros em poucos meses, o carnaval de 1919 foi intenso, eufórico e virou história e inspiração para alguns dos principais autores nacionais.
“É natural esse anseio de alegria e de prazer que se nota entre o nosso povo: não tivesse ele a descontar tantos sustos, tantos aborrecimentos, tantas tristezas, que só o carnaval – especialmente para todos os males – poderá curar”, dizia uma reportagem publicada pelo Estadão em fevereiro daquele ano.
“A alegria transbordou até altas horas, triunfalmente, como uma enorme vingança da vida imortal contra os horrores que a quiseram escurecer”, apontou outra, de março.
Mesmo não existindo escolas de samba, naquela época, o carnaval já contava com blocos, cordões, corsos e as alcunhadas grandes sociedades, que desfilavam apresentando carros alegóricos que foram decorados por grandes artistas, como Di Cavalcanti e J. Carlos (/Acervo Biblioteca Nacional)
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O carnaval que sucedeu a chegada da gripe espanhola é considerado por alguns como o maior da história do país.
Entre adeptos e estudiosos da folia, há muitos que acreditam que ele somente poderá ser superado pelo primeiro pós-covid.
Diferentemente da pandemia do novo coronavírus, a da gripe espanhola teve a maioria dos casos no país concentrada majoritariamente entre setembro e novembro de 2018.
Hospital montado no Club Athletic Paulistano em 1918, durante a gripe espanhola (Foto: Acervo Fundação Biblioteca Nacional)
No mundo, estimativas apontam até 50 milhões de mortes, sem contar os óbitos na 1.ª Guerra Mundial, encerrada no mesmo ano.
“Há relatos de corpos nas ruas, gente que enterrou os parentes nos quintais”, lembra o historiador Ricardo Augusto dos Santos, da Casa de Oswaldo Cruz, da Fiocruz.
Em um artigo sobre o tema, Santos chegou a comparar a alegria dos brasileiros no fim da pandemia com os relatos de celebrações na Europa depois da peste negra.
Naquele ano, também ocorreu o primeiro desfile do Cordão da Bola Preta, que persiste até hoje (Divulgação/Cordão da Bola) Preta
Mais adiante, aqueles momentos históricos foram narrados por escritores brasileiros, como Nelson Rodrigues, Carlos Heitor Cony e Ruy Castro.
“Foi de um erotismo absurdo. Daí a sua horrenda tristeza. Disse não sei quem que o desejo é triste. E nunca se desejou tanto como naqueles quatro dias.
A tristeza escorria, a tristeza pingava, a alegria era hedionda”, escreveu Nelson Rodrigues no "Memórias: A Menina sem Estrela".
Para Milton Cunha, um dos coordenadores do Observatório do Carnaval, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a próxima folia será ainda mais emblemática e intensa do que a que sucedeu a gripe espanhola.
“Vai ser uma catarse”, define. “O pessoal está muito se questionando (na pandemia), ‘o que fiz da minha vida, o que aproveitei’... Esse questionamento vai enlouquecer todo mundo.”
Com informações do Estadão
Pesquisa de fotos: Hugo Julião