Para o advogado André Marsiglia Santos, especialista em regulação na internet e liberdades individuais, o episódio ilustra o perigo de empresas adotarem responsabilidades que vão de encontro a legislações e garantias constitucionais.
Depois da invasão do Capitólio por partidários de Trump, a rede social Twitter bloqueou a conta do chefe da Casa Branca antes de anunciar sua suspensão definitiva.
O Facebook também seguiu na mesma linha, mas anunciou uma suspensão em caráter provisório, até o dia 20 de janeiro, quando toma posse o democrata Joe Biden na presidência dos Estados Unidos.
A justificativa das redes sociais de bloquear Trump é evitar a incitação à violência.
Nesta terça-feira (12), o Twitter anunciou ainda ter bloqueado em sua plataforma mais de 70 mil contas associadas a membros do grupo radical QAnon, de extrema direita, que apoia Trump.
A decisão de suspender definitivamente o acesso de Trump a uma plataforma na qual se comunica com mais de 88 milhões de seguidores não tem respaldo jurídico, segundo o advogado.
“Em um caso como esse, de banimento de um presidente da República, sem dúvida alguma, haveria a necessidade de uma comprovação de que ele de fato incitou [a violência].
O que nós vemos na imprensa ou mesmo nas plataformas, quando elas se manifestaram, foi no sentido de que aquilo causaria potencialmente um risco, ou poderia causar um dano.
Isso não é suficiente para limitar de uma forma tão extrema a liberdade de expressão de uma figura pública”, argumenta.
(Jonathan Ernst/Reuters)
A imprensa do continente europeu também dedicou espaço para questionar o poder das mídias sociais e a falta de uma regulação sobre a ação e as responsabilidades das gigantes da internet.
“Está indo por um caminho perigoso porque as empresas privadas acabam tomando para si essa possibilidade de regular ou de restringir aquilo que a legislação não faz”, opina André Marsiglia Santos.
André Marsiglia Santos é constitucionalista, especialista em liberdades de expressão e de imprensa. Membro da Comissão de Liberdade de Imprensa da OAB-SP e da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP. Idealizador da L+: Speech and Press e sócio da Lourival J Santos Advogados.
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“Quando se fala em evitar e controlar a opinião de um outro personagem, isso se combate com mais discurso. Creio que isso pode ser feito com a descredibilização da opinião alheia, e não com o silenciamento dessa pessoa”, opina.
As redes sociais e as plataformas digitais não estão submetidas à mesma legislação das empresas de comunicação e de mídia, que são responsáveis pelo conteúdo que publicam e divulgam.
“As plataformas fogem da responsabilidade pelo conteúdo publicado em seus canais. Elas evitam serem nomeadas como veículos de comunicação justamente para não se dizerem responsáveis pelo gerenciamento dos seus conteúdos”, lembra André.
No entanto, ressalta o advogado, o Facebook começou recentemente a trabalhar com um comitê de liberdade de expressão para criar regras próprias para melhor controlar a divulgação de conteúdos em sua plataforma.
“Acredito que quando eles fazem isso, chamam para si a regulação desse conteúdo. Eles passam a gerenciar de uma forma editorial os conteúdos, e atraem, ao meu ver, a responsabilidade para eles”.
O advogado recomenda ainda vigilância para não permitir que as iniciativas e atuação das plataformas digitais e empresas privadas resultem em ataques aos direitos e à perda da liberdade de expressão.
“A liberdade de expressão é um direito contra o Estado. A construção dessas normas foi feita desta maneira. É uma proteção. Nas empresas privadas não existe essa intenção. A intenção é de retirar: isso pode, isso não pode, isso é bom, isso não é.
No fundo, estão envolvidos direito moral, de empresas com viés religioso, ou empresa privada com crença “x” ou “y”, ou com interesse comercial e preferência política. O Estado não tem esses interesses. "
Com informações da FRI