A formatura da 191º turma de Direito da Universidade de São Paulo (USP) tem um significado social ainda maior: é a primeira turma que conclui o curso após a tradicional instituição de ensino permitir o ingresso de alunos por meio do sistema de cotas raciais e de escola pública.
E a sergipana e ex-aluna do Centro de Excelência Atheneu Sergipense, Isla Dayane Andrade Santos, já documentou essa história ao ser fotografada para o álbum de formatura.
Filha de um lavrador e de uma auxiliar de serviços gerais, Isla Dayane é nascida e criada na zona rural de Nossa Senhora Aparecida e completou os estudos em Aracaju / Fotos: Arquivo Pessoal
Filha de um lavrador e de uma auxiliar de serviços gerais, nascida e criada no povoado Malhada dos Bois, zona rural de Nossa Senhora Aparecida, Agreste Central de Sergipe, Isla Dayane completou os estudos em Aracaju, ao cursar o Ensino Médio no Atheneu Sergipense.
“No Atheneu, além de ser base acadêmica para perseguir a minha meta de cursar Direito em uma instituição pública de ensino superior, eu também encontrei uma família.
Sempre fui acolhida com muito carinho e é impossível não reconhecer isso.
Fui aluna do Pré-Vestibular/SEED e não posso nomear todo o suporte que recebi do time de professores de lá”, afirma Isla Dayane.
Toda essa base estudantil foi incorporada ao dia a dia da jovem, que desde sempre pensou em cursar Direito. Incentivada pelo professor de Língua Portuguesa e filósofo Denilson Melo, Isla Dayane teve o projeto “Direitos Humanos e Cidadania: Aprender para Exercer” aprovado pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC).
A aprovação aconteceu em 2016, quando a estudante ainda cursava o 2º ano do Ensino Médio.
• O projeto a chancelou como representante de Sergipe em missões nacionais e internacionais, por um mandato de dois anos, no Parlamento Juvenil do Mercosul. E a primeira viagem internacional não demorou a chegar.
“O silêncio dela falava: pedia apoio, instrução e direcionamento.
Assim como orientei a tantos outros, propus que ela participasse do concurso Jovem Parlamentar do Mercosul.
Ela, de pronto, aceitou, mergulhou de cabeça e conquistou o primeiro lugar estadual.
Seu projeto fazia uma leitura pedagógica da Declaração Universal dos Direitos Humanos que, na sensibilização e no partilhar com os alunos, seus colegas, esperava alcançar famílias, bairros, enfim, o entorno.
Realizou palestras com convidados ilustres, panfletou, fez oficinas com os colegas, resultando em um acontecimento promissor para a escola e toda a comunidade”, recorda Denilson Melo, professor e orientador.
Estdudante foi representante de Sergipe no Parlamento Juvenil do Mercosul / Foto: Arquivo Pessoal
Para ele, a entrada da então estudante do Atheneu no curso de Direito da USP em 7º lugar foi o retrato fiel de merecimento de toda uma vida de empenho.
“Ela queria Direito, sonhava com uma universidade pública, e foi coroada pelos deuses com a USP”, conta.
“Sonho de consumo”.
O apoio da família, do Atheneu e do projeto Gauss, ONG voltada à mentoria educacional, deu asas à jovem.
Isla Dayane soube usá-las, aportando, com muitas lutas, no curso de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo.
“Eu entrei com o apoio das cotas para estudantes de escolas públicas e tenho muito orgulho da minha trajetória.
Quando me mudei do interior para a capital, sabia que só permaneceria em Aracaju se pudesse estudar em um colégio com educação de alto nível.
Então, o Atheneu se transformou em uma espécie de sonho de consumo”, detalha.
“Não tenho dúvidas de que o Atheneu foi fundamental para que eu tenha conseguido tão bons resultados no vestibular.
Foi a educação pública de Sergipe que me moldou e me instruiu, desde o ensino multisseriado no fundamental, que experimentei por residir na zona rural do estado, até o ensino médio.
Sou infinitamente grata a cada educador que cruzou o meu caminho e apostou no meu sonho”, complementa a sergipana.
Isla Dayane cursou o Ensino Médio no Colégio Atheneu, em Aracaju, e foi aluna do Pré-Vestibular/SEED / Foto: Arquivo Pessoal
Quando o pensamento de Isla reagia à realidade, a ideia de estudar na mais concorrida universidade do país, em terras distantes, era quase impossível.
No entanto, era também um objeto de luta a ser alcançado.
“Os meus pais entraram em parafuso. Todo mundo desacreditava que aquilo estava acontecendo.
Onde eu iria morar? Como iria fazer a matrícula? Como iria pagar as minhas despesas em São Paulo? Não sabíamos.
Sou grata ao Atheneu por ter sido, além de tudo, uma família para mim.
Nessa fase da minha vida, o diretor do Atheneu, Daniel Lemos, foi espetacular.
Entendeu a situação e deu a mim e à minha família todo o apoio necessário com a burocracia e as pendências”, narra.
Resistência e existência
Nos primeiros anos de estudo em São Paulo, Isla passou a trabalhar como monitora da Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP e, a partir do segundo período, começou a estagiar em escritórios de advocacia.
Ela conta que, mesmo hoje, a “ficha ainda não caiu”, por ser resultado de políticas públicas consideradas por ela como “eficazes e imprescindíveis”.
“Já se passaram cinco anos de que tudo isso aconteceu. Agora, vou me tornar bacharela em Direito por uma das melhores Universidades Públicas da América Latina.
Não importa o que aconteça, eu nunca me esquecerei de onde vim e de quem acreditou em mim: sou o resultado de políticas públicas.
Nós resistimos e, hoje, galgamos novas possibilidades de existência”, destaca.
Sobre o futuro, Isla acredita que deverá seguir na carreira.
“A ideia é seguir lutando e vivenciar o que de bom a carreira puder me proporcionar.
Tive excelentes resultados no meu trabalho de conclusão e houve um convite para o mestrado.
Também sou advogada de um dos maiores escritórios de advocacia do país, atuando na prática de Penal Empresarial, e espero seguir aprendendo com todas estas oportunidades e pessoas incríveis que conheci ao longo dos anos.
Sinto que este é só o começo e espero ser só uma entre as inúmeras meninas nordestinas, negras e de baixa renda que poderão almejar a realização de seus sonhos a partir da educação.
Espero direcionar a minha carreira e todo o apoio que recebi.
De alguma forma, quero deixar essa porta aberta e colaborar para um futuro diferente para outras tantas meninas que são ou já foram como eu”, declara.
Daniel Lemos, diretor do Atheneu: “A escola participou da construção de vida dessa estudante" / Foto: Arquivo Seduc
Nesta semana, os pais de Isla estão desembarcando em São Paulo para participar do ciclo de sua formatura.
Na visão da jovem, o casal é considerado a base de toda a sua formação como pessoa e advogada.
Isla Dayane afirma que, assim como os pais tem orgulho dela, espera que eles também tenham orgulho da própria história.
“Devo tudo isso a eles. Acho que será um momento de não economizar nas lágrimas, e eu não poderia estar mais feliz”, emociona-se.