Num Brasil tecnicamente idoso, vale refletir sobre o etarismo que produz injustiças, mas que, por sua especificidade, não motiva a mesma indignação e o mesmo ativismo dos preconceitos de classe, cor e gênero
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Infelizmente, a velhice não comporta um “trans”. Essa possibilidade facultada ao gênero como expressão de escolha e liberdade.
Escolher não faz parte dos simbolismos etários. Se os espaços intermediários do masculino e do feminino são almejados, ninguém tem o desejo de “virar” idoso.
Envelhecer, aliás, não é questão de escolha, mas de destino e - quem sabe - de sorte, pois quem está vivo é englobado pela idade.
Seres humanos podem desempenhar papéis masculinos ou femininos, como fala eloquentemente a obra de Margaret Mead, mas ninguém escapa do envelhecimento que, ademais, não é seguro.
Desejamos uma longa vida aos que amamos porque a longevidade não depende de vontade, mas das fadas do destino.
Se suportamos tudo, menos o caos, o feminino e o masculino, bem como os contrastes da existência - infância e velhice, vivos e mortos -, são dimensões essenciais de ordenamento social nas sociedades humanas.
Pois o trajeto inevitável de nascimento, infância, juventude ou mocidade, maturidade, velhice e morte é real, mesmo neste nosso mundo pós-moderno, independentemente de escolhas individuais.
Até onde sabemos, elas são ordenadas mais por processos biológicos do que por motivações pessoais ou culturais.
Idosos de todos os gêneros perdem poder físico, mas são compensados com poderes místicos ou com o privilégio de serem pessoas próximas do mistério das origens. Ademais, idosos não têm futuro e, como estão próximos do outro mundo, são respeitados porque não têm nada a perder.
Num Brasil tecnicamente idoso, vale refletir sobre o etarismo que produz injustiças, mas que, por sua especificidade, não motiva a mesma indignação e o mesmo ativismo dos preconceitos de classe, cor e gênero.
Não há espaço para relatar casos de etarismo. Um episódio serve como ilustração.
Trata-se de um professor titular concursado que foi pressionado a pedir demissão por idade. Na ocasião, tomei conhecimento de um notável paradoxo. Os mais velhos sofriam de etarismo, mas os mais jovens, dotados de uma justíssima e aguda consciência de cor e gênero, não mexeram um dedo para protestar contra a discriminação por idade sofrida por alguns de seus colegas.
Fosse um caso de gênero ou cor, teríamos protesto. Mas como era coisa de idade, a passividade foi normal e legítima. Afinal, velho bom é velho aposentado...
Coluna
Roberto DaMatta