Em meio ao conflito no Oriente Médio, a busca de Israel por seu estabelecimento e reconhecimento como Estado emerge como um dos principais focos.
Para compreender a raiz desta questão, é indispensável mergulhar no conceito e história do sionismo.
Bandeira israelense em Jerusalém, capital do Estado de Israel / Stellalevi/iStock
Um movimento surgido em resposta ao antissemitismo
Da Europa ao estabelecimento de Israel
Divergências na interpretação do movimento
Entre críticas e defesas do movimento
Para entender melhor o movimento político por trás da criação do Estado de Israel, a Agência Brasil entrevistou dois especialistas sobre o tema.
A primeira entrevistada é professora de pós-graduação em Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais Rashmi Singh.
O segundo entrevistado é historiador e professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Michel Gherman.
Confira trechos da entrevista:
Agência Brasil: O que é o sionismo e como podemos defini-lo?
Rashmi Singh: O sionismo é uma religião-política. É um jeito de pensamento que tira conceitos que são religiosos e coloca esses conceitos dentro de uma realidade moderna para objetivos contemporâneos e específicos.
É um movimento fundado na religião para objetivos políticos e modernos. Essa conexão entre religião e política é uma religião-política. Isso é a diferença entre judaísmo, que é religião, e sionismo, que é a combinação da fé e do pensamento religioso com objetivos políticos – nesse caso, o estabelecimento do Estado de Israel.
O sionismo moderno começou em 1896 com um livro escrito pelo Theodor Herzl. Ele começou a falar do direito de os judeus terem um Estado próprio para viver em paz com sua identidade. O local foi a Palestina porque tem uma ligação histórica e bíblica.
Michel Gherman: Em resumo, eu diria que o sionismo é um movimento que se constitui pela construção da identidade nacional do povo judeu. Note que eu não falo sobre Estado de Israel quando defino o sionismo porque algumas correntes do sionismo, que é um movimento diverso, não têm como objetivo final a construção do Estado de Israel.
Tem correntes que falavam sobre uma confederação nacional árabe-judaica, algumas correntes falavam sobre autonomia nacional judaica e há correntes hegemônicas que falavam sobre um Estado nacional judaico.
Essa definição que eu dei é uma definição que tenta ocupar todos os espaços do sionismo, que dá conta de todos os projetos sionistas. O sionismo é influenciado por outros nacionalismos para oferecer uma resposta para a seguinte pergunta: qual a melhor solução para a questão judaica?
A gente pode entender que o sionismo se consolidou como resposta mais correta porque os judeus que saíram da Europa para construir um Estado-nação sobreviveram, os judeus que permaneceram na Europa falando das outras alternativas foram vítimas do Holocausto.
Rashmi Singh, professora de relações internacionais da PUC-MG / Frame/TV Assembleia MG
Agência Brasil: Como se explica o êxito da criação do Estado de Israel? Por que o sionismo foi vitorioso na região da Palestina?
Rashmi Singh: O conceito de sionismo é muito baseado na Europa e devido à perseguição que os judeus sofriam na Europa. Então, Theodor Herzl fomentou uma organização sionista que promoveu a migração judia para a Palestina para construir um Estado para os judeus. Nessa época (final do século 19), era uma organização para juntar fundos e comprar territórios na Palestina para colocar as comunidades de judeus da Europa nesse local. Mas eles não conseguiram comprar muita terra porque já era uma área ocupada.
A situação começou a mudar depois da 1ª Guerra Mundial com a criação do Mandato da Palestina do Reino Unido. Antes mesmo do Reino Unido ganhar o controle do território palestino, o governo britânico lançou a Declaração de Balfour, em 1917, que deu apoio total ao estabelecimento dos judeus nesse local. A partir daí, temos enormes migrações de judeus europeus para a Palestina e, ao mesmo tempo, começou uma reação dos árabes contra essa migração.
Eles emigraram e começaram a comprar territórios e tinham um conceito de propriedade que não existia na Palestina. Os palestinos não tinham propriedade da terra. Nas décadas de 1920 a 1940 ocorre uma escalada da tensão entre os judeus e os árabes na região.
Por isso, as pessoas que estudam o conflito categorizam Israel como um Estado colonizador porque ele surge de uma ideologia europeia. Os palestinos não aceitaram a Resolução 181 das Nações Unidas [que sugere a criação de dois Estados, um para os judeus e outro para os palestinos] porque o Estado seria uma imposição dos colonizadores no território que era historicamente deles.
Então, as pessoas falam que a religião é a raiz do problema. Mas religião é a desculpa, é uma parte para entender o conflito, mas a raiz do conflito é o território.
Historiador Michel Gherman, professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e assessor do Instituto Brasil-Israel / Michel Gherman/Arquivo Pessoal
Michel Gherman: São vários motivos. O primeiro é a hegemonização dentro do movimento sionista de uma corrente específica que foi hegemônica até os anos de 1970, que é o sionismo migratório de esquerda. É uma corrente trabalhista e social-democrata que tem como ideia principal a migração judaica da Europa e de outros países para a Palestina.
O objetivo era fazer essa migração sem acordo com as potências, principalmente ingleses e turcos, e também sem chegar a um acordo com os palestinos. Tinha que migrar e fazer com que as coisas acontecessem depois da migração por causa de duas questões: a disputa das potências naquela região enfraqueceria o projeto sionista e também pelo crescimento do antissemitismo.
A que se hegemonizou foi a corrente migratório social-democrata por causa das condições concretas da realidade. Primeiro, porque eles conseguiram produzir uma migração por conta do antissemitismo na Europa que aumentava muito e os judeus não tinham para onde ir porque as fronteiras foram fechadas, tanto nos Estados Unidos, no Canadá, na Austrália, na Argentina e no Brasil. Então, o destino palestino era o único possível para os judeus naquela época.
E, segundo, por causa do nazismo que provou que a única alternativa concreta era a criação de um Estado judeu na Palestina. A descoberta dos crimes nazistas foi tão forte que acabou impondo essa decisão do Estado judeu.
Com informações da Agência Brasil