A brasileira Paula Moreno, de 43 anos e moradora há 12 deles em Los Angeles, nos Estados Unidos, passou na última sexta-feira (6/1) por uma experiência incomum nos geralmente abundantes supermercados norte-americanos.
"Fui ao supermercado aqui do lado de casa, o que eu geralmente vou, precisava comprar poucas coisas e uma delas era ovo. Cheguei lá, a prateleira do ovo estava inteira vazia e tinha um aviso dizendo que estava em falta", conta a farmacêutica.
Estados Unidos, Reino Unido, Portugal e Nova Zelândia estão entre os países que enfrentam disparada de preços e falta de ovos neste início de ano. No Brasil, produção deve encolher pelo segundo ano seguido e preços tendem a continuar elevados. Foto: GETTY IMAGES via BBC
Paula tirou fotos e compartilhou a notícia com os vizinhos.
Uma amiga venezuelana, mais experiente em situações de escassez, logo descobriu quando outro supermercado do bairro seria reabastecido.
No dia seguinte, estava na porta do local dez minutos antes da abertura às 8h.
Este segundo supermercado estava limitando a venda de ovos a duas caixas por pessoa, mas a amiga conseguiu levar três, já que estava comprando para outras famílias da vizinhança.
"Aí virou piada. Naquele dia mais tarde, minha mãe perguntou o que eu queria jantar, eu respondi 'um omelete' e essa minha amiga que estava aqui em casa logo brincou: 'Está dando uma de rica, esbanjando ovo'", conta a brasileira, entre risos.
Arquivo pessoal/ Paula Ramón
Uma escassez global de ovos
A escassez de ovos vivida pela farmacêutica brasileira e sua amiga venezuelana em Los Angeles não é uma exclusividade da cidade da Califórnia, na costa oeste americana.
"Vivendo uma 'ovoansiedade' real com relação a essa escassez de ovos", escreve numa rede social uma jornalista em Nova York, na costa leste dos Estados Unidos.
"Está havendo uma escassez de ovos no Reino Unido? Não havia um ovo sequer à vista no supermercado outro dia", questiona um consumidor de Londres, na Inglaterra.
"Meu Deus, sim! Não havia um único ovo no nosso supermercado semana passada", responde outra.
"Senhor @antoniocostapm, não há ovos nos supermercados, faça qualquer coisa", reclama uma consumidora de Lisboa, marcando o perfil do primeiro-ministro português António Costa.
Dos Estados Unidos, passando pela Europa e chegando à Nova Zelândia, o mundo enfrenta neste início de ano uma escassez global de ovos de galinha.
O curioso é que há explicações distintas para essa falta em diferentes partes do mundo.
Entenda os motivos da escassez global de ovos neste início de 2023 e quais as perspectivas para a oferta do produto no Brasil, em um momento em que muitos recorrem a essa fonte de proteína, tendo em vista a forte alta de preços dos alimentos.
Nos EUA, um surto devastador de gripe aviária
A falta de ovos nos Estados Unidos se deve principalmente a um surto devastador de influenza aviária.
Segundo reportagem do jornal The Washington Post, citando dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, o atual surto de gripe aviária já levou à morte mais de 44 milhões de aves poedeiras, ou cerca de 4% a 5% do plantel norte-americano.
"A gripe é o fator mais importante afetando o preço dos ovos", disse Maro Ibarburu, analista de mercado do Egg Industry Center da Universidade Estadual de Iowa, ao Washington Post.
"Neste surto, em termos de aves poedeiras, nós perdemos 10 milhões de aves a mais do que no último surto, em 2015."
Desde fevereiro de 2022, a epidemia de influenza aviária já atingiu ao menos 47 dos 52 Estados americanos. Iowa, maior Estado produtor de ovos dos EUA, é o mais prejudicado.
Em Estados como Colorado e Califórnia, a escassez de ovos é agravada ainda por legislações locais que proibiram a criação de galinhas em gaiolas, exigência visando o bem-estar animal que retirou alguns produtores do mercado.
Segundo o jornal Los Angeles Times, a dúzia de ovos na Califórnia está saindo atualmente a US$ 7,37 (R$ 38,14), ante US$ 4,83 no início de dezembro e US$ 2,35 há um ano atrás, conforme dados do Departamento de Agricultura americano.
A escassez afeta principalmente os californianos mais pobres, reduzindo estoques dos bancos de alimentos para doação e prejudicando famílias que dependem de programas sociais federais com regras limitadas para compra de produtos.
Nas redes sociais, no entanto, a falta de ovos virou meme.
Na Europa, custos pressionados pela guerra
Na Europa, além da gripe aviária, a alta dos custos dos grãos e da energia elétrica, em decorrência da guerra entre Rússia e Ucrânia, também afeta a oferta de ovos.
No Reino Unido, por exemplo, as principais redes de supermercado, como Tesco, Lidl e Asda, chegaram a impor limites de compra aos consumidores ao longo de 2022.
Neste início de ano, a tradicional rede de pubs Wetherspoon colocou avisos no balcão de algumas de suas unidades na Inglaterra, informando aos consumidores que, devido à escassez nacional, alguns dos ovos servidos no local podem ter origem na União Europeia — o que gerou comentários nas redes sociais, em um país que ainda tenta botar a casa em ordem após o Brexit.
Diante da alta de custos e da dificuldade de repassar a inflação aos supermercados, os produtores britânicos alegam perder dinheiro atualmente a cada caixa de ovos vendida.
Com esse desestímulo, a Associação Britânica dos Produtores de Ovos Livres de Gaiola estima que o plantel britânico de aves poedeiras encolheu 6% nos últimos 12 meses, para 36,4 milhões, segundo reportagem da agência Reuters.
"Mesmo que os varejistas digam para a indústria que agora vão pagar mais pela dúzia, ainda levaria de seis a oito meses para produzir aves suficientes para substituir as perdidas", disse um produtor de ovos à Reuters.
A falta de ovos também foi sentida em Portugal.
"Estamos a viver a pior crise", disse Paulo Mota, presidente da Associação Nacional dos Avicultores Produtores de Ovos (Anapo), ao site português Sapo24.
Segundo a entidade, a escassez em Portugal foi concentrada no mês de dezembro, devido ao aumento de demanda típico do Natal, mas em janeiro a situação deve se normalizar.
Na Nova Zelândia, uma nova legislação
A Nova Zelândia iniciou em 2012 um processo gradual de eliminar a criação de aves poedeiras em gaiolas. O plano previa um período de dez anos para o país atingir esse objetivo, tendo como data-limite 1º de janeiro de 2023.
Em 2012, 86% das galinhas poedeiras do país eram criadas presas, percentual reduzido a 10% em dezembro de 2022, segundo o jornal britânico The Guardian.
A mudança nas condições de acondicionamento das aves elevou, no entanto, os custos de produção. E o aumento da demanda por ovos produzidos livres de gaiolas não acompanhou o crescimento do plantel de aves.
Segundo Michael Brooks, diretor da Federação dos Produtores de Ovos da Nova Zelândia, o país tem atualmente 3,5 milhões de galinhas poedeiras, mas necessita de 3,8 milhões para garantir uma oferta constante de ovos, conforme reportagem do site neozelandês Stuff.
Assim, uma solução para a escassez no país ainda pode levar meses.
Arquivo pessoal/ Paula Ramón
E no Brasil, pode faltar ovo?
Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) e do conselho administrativo de Instituto Ovos Brasil, tranquiliza os consumidores brasileiros: por aqui, não devem faltar ovos.
Mas uma produção menor em 2023 deve manter os preços elevados, alerta o executivo.
"O Brasil não está sofrendo isso [escassez de ovos]. Nós nunca tivemos influenza aviária e sofremos o problema do custo com mais força em 2020, devido à seca", lembra Santin.
A falta de chuva naquele ano fez a safra de milho 2020/2021 ser 16% menor do que no período anterior, segundo a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), elevando fortemente o preço dos grãos no país.
De acordo com o executivo, é esse pico do preço do milho lá atrás, em 2020, que explica a queda na produção de ovos no país em 2022, que deverá se repetir em 2023.
"Tivemos uma queda de 5% da produção de ovos em 2022 e estamos projetando recuo de 2% em 2023, fruto da diminuição de matrizes [aves poedeiras] no tempo do pico do milho, quando ele chegou próximo a R$ 100 a saca", diz Santin.
"Uma matriz produtora de ovos passa dois anos produzindo, então quando há um distúrbio nesse processo, os efeitos são sentidos até dois ou três anos à frente."
Oferta garantida, mas preços em alta
A ABPO estima a produção brasileira de ovos em 2022 em 52 bilhões de unidades, com consumo per capita (por pessoa) de 241 unidades. Em 2023, a produção deve recuar a 51 bilhões, com consumo per capita de 235 unidades.
"Para se ter uma ideia, nós produzimos no Brasil 1.350 ovos por segundo", diz Santin.
As exportações, por outro lado, devem ter avanço de 10% entre 2022 e 2023, para 11 mil toneladas, justamente devido à escassez em outras partes do mundo. Mas, como 99% da produção brasileira de ovos é destinada ao mercado interno, a associação avalia que o aumento da exportação terá pouco efeito sobre os preços internos.
Ainda assim, preços elevados este ano serão inevitáveis, prevê a ABPO.
"Esse ano, tem milho à vontade. A safra foi muito abundante, mas apesar de ter bastante milho, ele vai se manter em patamares de preços elevados [devido à redução global de oferta com a guerra da Ucrânia]. Isso é o que faz com que o ovo não possa baixar de preço em 2023", explica o representante do setor.
"Não é uma questão de oferta, não está faltando produto, é uma questão de preço do insumo."
Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Cepea/Esalq), as cotações de ovos renovaram recordes em 2022.
Em Bastos (SP), maior região produtora do Estado de São Paulo, o preço da caixa com 30 dúzias de ovos brancos tipo extra fechou o mês de setembro com média de R$ 154,27, a maior da série, em termos reais (isto é, descontada a inflação). Para o ovo vermelho, a média mensal foi de R$ 169,76, também a mais alta da série.
"Com o poder de compra da maior parte da população brasileira ainda bastante fragilizado, a demanda por ovos tende a seguir aquecida em 2023", afirma a equipe do Cepea, em nota publicada na segunda-feira (9/1).
"Quanto aos preços, a expectativa é de alta. Além da oferta justa, os elevados custos de produção também podem sustentar — ou aumentar — os valores de negociação da proteína."
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-64217978