08/07/2020 18:58

Compartilhe:

Por Nathalia Molina

Deuzani dos Santos aprendeu o ofício da cerâmica com a mãe, dona Izabel. Assim artesãs do Vale do Jequitinhonha passam a tradição, de geração em geração.

Após viagens à região, Marianne Costa decidiu que divulgar essa arte mineira já não bastava.

“Valia mais levar as pessoas até lá do que comprar a cerâmica e vender. Eu quis oferecer essa vivência de resgate dos valores, de conexão, do indivíduo, neste momento em que as pessoas estão tão loucas buscando propósito”, conta Marianne, fundadora da Vivejar, operadora que faz roteiros para comunidades tradicionais do Brasil desde 2016.

A valorização desse saber popular e a relação tão próxima com a gente dos destinos visitados impeliram Marianne a se movimentar para ajudar essas comunidades, duramente atingidas com a paralisação do turismo em decorrência da pandemia do novo coronavírus.

Afinal, enquanto não é recomendado viajar, é mais do que indicado colaborar com os moradores de destinos afetados pela paralisação do turismo.

Deuzani dos Santos, ceramista do Vale do Jequitinhinha: iniciativa ajuda comunidade enquanto os turistas não vêm (Foto: André Dib/Vivejar)

“Está sendo muito bacana. A gente criou essa campanha no formato de vaquinha online e tinha botado a meta de R$ 7 mil. Em 15 dias, já tinha batido isso e acabou aumentando para R$ 14 mil”, diz.

Com a iniciativa #Vivejarajudeaajudar, a empresa pretende fornecer EPIs para três comunidades com que trabalha: as artesãs de Campo Buriti e Campo Alegre, em Minas Gerais, e o Movimento de Mulheres das Ilhas de Belém, no Pará.

“Além da campanha, a gente tem feito pontes. Logo no início, fiz uma seleção de ações para as pessoas ajudarem. A gente apoiou os guaranis de Parelheiros, por exemplo. Três indígenas morreram lá, sendo uma criança.

Consegui a doação de 300 máscaras, 700 escovas de dentes e 250 cestas básicas com empresas parceiras.”

Conectada com a região da Chapada Diamantina, Venturas criou campanha de arrecadação (Foto: Jota Marincek)

Também foi a história da Venturas Viagens com a Chapada Diamantina que motivou Jota Marincek, sócio-fundador da empresa, a lançar uma iniciativa na internet para beneficiar guias, motoristas e canoeiros baianos.

“A empresa começou em 1992, e o mercado durante muito tempo nos identificava como Chapada Diamantina. A gente fez muitas viagens para lá quando ainda se ia de ônibus. E eu morei lá de 1999 a 2002”.

“Em outras regiões do País, houve uma mobilização local, como nos Lençóis Maranhenses e na Chapada dos Veadeiros, em Goiás. Mas lá a gente sentiu que eles precisavam porque estavam meio perdidos, batendo cabeça. Já arrecadamos uns R$ 20 mil, que deu uns R$ 1 mil para cada um até agora.”

 

_______________________________________
TALVEZ LHE INTERESSE
\"\"

Mundo paralelo criado pelo artista 3D Paul Milinski é um refúgio de serenidade; veja
_______________________________________

 

A região de Alto Paraíso de Goiás recebe alimentos, produtos de higiene e equipamentos de proteção com os recursos levantados pela Chapada Solidária, ação que a Venturas apoia.

Pelo vínculo estabelecido com comunidades Brasil afora, organizadores de grandes festas de Réveillon tiveram a ideia de fazer um festival com 20 horas de programação para levantar recursos para os moradores de destinos como Trancoso, Caraíva, Boipeba e Península de Maraú, na Bahia, e Alter do Chão, no Pará.

Apesar de o festival já ter ocorrido entre 3 e 5 de julho, o projeto colaborativo Todos Por 1 mantém o link para doações (ingresse.com/tdspr1); o valor arrecadado até o momento não foi divulgado pela organização.

Cavernas do Petar: excursões escolares eram comuns na região (Foto: JF Diorio/Estadão)

Quem conheceu e trabalha diretamente com o Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar) também colabora com a divulgação do destino e da campanha para distribuir cestas básicas a guias, trabalhadores de pousadas e famílias da região no sul do Estado de São Paulo.

Veja o que afirma Rodrigo Aguiar, gestor do Petar de 2013 a 2019 e atual gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) Quilombos do Médio Ribeira.

“Começou no fim de abril e já conseguimos fazer duas distribuições, no total de 200 cestas básicas.

Recebemos doações também de uma associação de cooperativa de produtores rurais quilombolas, do Vale do Ribeira. Eles doaram itens que produzem, como mandioca, feijão e peixe seco”.

_____________________________
VEJA TAMBÉM
\"\"

As 10 profissões mais procuradas do mundo​
___________________________________

 

O perfil @conexaopetar foi criado no Instagram para dar transparência às ações e estimular mais gente a doar.

“Pedimos a pessoas que têm uma relação bem próxima com o Petar para fazer um depoimento de como o lugar alterou um pensamento ou comportamento”, explica Aguiar.

“A gente tem histórias antigas com o Petar. Tem um colega nosso que conheceu a região em 1978, quando estava na Faculdade de Física. Ele se encantou, passou a estudar Geologia e se aposentou trabalhando com o parque.”

O próprio Aguiar começou no Petar, em 2011, como monitor ambiental acompanhando alunos de São Paulo em estudos de meio.

“No fim da viagem, eles entendiam que a relação das pessoas com a natureza não impede nenhum desenvolvimento econômico e que pequenas ações podem mudar o mundo.”

Conexão Petar conseguiu arrecadar 200 cestas básicas para moradores da região do parque estadual (Foto: Conexão Petar)

É na dependência de muitas dessas pequenas ações que estão aldeias espalhadas por todo o Brasil, já que os indígenas estão entre os mais atingidos pela covid-19.

“A situação está complicada. Estamos tanto incentivando algumas campanhas como criamos a nossa”, diz Israel Waligora, sócio-fundador da Ambiental Turismo, que oferecia viagens a terras indígenas antes da pandemia.

“Nós trabalhamos com uma aldeia Xavante, no Mato Grosso. Eles estão ocupando mais da metade das vagas de UTI de Barra do Garças (cidade mato-grossense). O povo Yanomami está numa situação mais complexa com a invasão garimpeira.”

 

______________________________
FIQUE ATENTO
\"\"

Contexto atual das eleições 2020 é tema de palestra virtual ​
____________________________________

 

Em agosto de 2019, o fotógrafo Valdemir Cunha fez uma viagem com alunos à aldeia Etenhiritipá, organizada pela Ambiental.

Os fotógrafos pagaram pela impressão de um livro e iriam doar os exemplares para os Xavante venderem aos visitantes.

A covid-19 exigiu uma mudança de plano: o livro está à venda no site da Editora Origem e a verba será revertida para a aldeia no Mato Grosso.

Além dessa ação capitaneada pela Ambiental, a operadora divulga diversas outras no Instagram @ambiental_turismo.

 

Entre elas está a campanha #ForaGarimpoForaCovid.

O ponto central da iniciativa é uma petição, que será entregue a autoridades em Brasília, solicitando a retirada dos garimpeiros da região para evitar que as comunidades indígenas fiquem doentes.

Para participar, basta preencher nome e email – até segunda, faltavam pouco mais de 20 mil assinaturas; e já se somavam cerca de 320 mil pessoas ao movimento.

A ação tem o apoio do Greenpeace Brasil e do Instituto Socioambiental (ISA), que apoia diversas ações no País.

A lista completa inclui os povos do Parque do Xingu, no Mato Grosso, que precisa de alimentos e itens de higiene para 875 famílias de 114 aldeias.

Outras iniciativas ajudam aldeias Guarani, no Pico do Jaraguá, em São Paulo, e Krahô, que vive às margens do Rio Tocantins.

Cozinheiras da comunidade Boa Vista durante o roteiro Iwitera da Expedição Serras Guerreiras (Foto: Marcelo Monzillo/Garupa)

Coordenada pelas mulheres da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), que defende os direitos de 23 povos da Amazônia, a ação Rio Negro, Nós Cuidamos usa as doações para custear itens de limpeza e higiene, alimentos e formas de comunicação nas línguas indígenas (por exemplo, folhetos ou carros de som).

A campanha tem o apoio da ONG Garupa, que trabalha na formatação de roteiros que usem o turismo sustentável para preservar patrimônios culturais e naturais do País, em projetos que partem das comunidades.

 

Um deles, o roteiro Serras Guerreiras de Tapuruquara, leva à região do Rio Negro e teve de ser cancelado após a pandemia.

“A gente está apoiando campanhas porque a logística é um desafio para o recurso chegar à ponta. Com iniciativas de associações indígenas que estão trabalhando lá direto, a gente tem uma segurança de que eles vão conseguir executar esse recurso”, diz a antropóloga Camila Barra, consultora da ONG Garupa há cinco anos.

“O Rio Negro é um exemplo. Um comitê em São Gabriel da Cachoeira faz a doação de cestas básicas e EPIs, testagem em massa e unidades só para indígenas, com os Médicos Sem Fronteiras. No Amazonas, só existe UTI em Manaus, e são 195 mil indígenas.”

 

__________________________________
VEJA TAMBÉM
\"\"

Coronavírus: por que o Brasil não realiza testagem em massa?
____________________________________

 

Para a antropóloga, as viagens dão visibilidade aos povos. “O Brasil precisa conhecer e se conectar com as terras indígenas, guiado por esses povos, em projetos protagonizados por eles”, afirma Camila.

“O turismo pode apoiar essas comunidades. Não só com a geração de renda com a viagem. Em um momento como este, as pessoas podem ajudar essas comunidades porque sabem onde elas estão. Já foram lá, e essa conexão foi estabelecida.”

 

Ajudar é um luxo

O mercado de luxo também se mobiliza pela solidariedade. Integrantes da Brazilian Luxury Travel Association (BLTA), associação desse segmento no País, vêm promovendo campanhas para apoiar as comunidades onde estão inseridos.

As ações de responsabilidade social são divulgadas no Instagram @brazilian_luxury_travel.

O Cristalino Lodge, na Amazônia, está vendendo fotografias de João Paulo Krajewski, com preços a partir de R$ 610 cada e lucro destinado a moradores de Alta Floresta (MT).

“A região recebe muitos turistas. Existem outros hotéis e pousadas, que não estão recebendo hóspedes e, consequentemente, estão deixando de comprar dos fornecedores locais, que empregam moradores... Isso vai gerando um efeito cascata.

Há muitas famílias em estado de vulnerabilidade e o nosso objetivo com essas ações é ajuda-las a superar isso”, diz Alex da Riva, sócio-diretor do lodge.

Cristalino Lodge está vendendo fotos feitas por João Paulo Krajewski para ajudar a comunidade (Foto: João Paulo Krajewski)

“O nosso hotel foi fundado em 1990 e alguns anos mais tarde, em 1997, foi criada a Fundação Ecológica Cristalino, para contribuir com o desenvolvimento de pesquisas sobre a biodiversidade da Amazônia e a realização de ações sociais na região.”

Outra ação do Cristalino é o voucher solidário: o viajante recebe desconto de 20% sobre o valor, que pode ser usado até dezembro de 2021 (exceto feriados nacionais). Cada voucher leva à doação de cesta básica da campanha.

 

As iniciativas não se restringem a propriedades em lugares remotos.

Incluem também hotéis em centros urbanos, como o Palácio Tangará (com a doação de alimentos, álcool em gel e máscaras à Associação das Mulheres de Paraisópolis) e o Emiliano (com a renda da venda dos pijamas do hotel destinada a ONG Meninos de Luz, que promove educação, cultura e esporte nas comunidades do Rio de Janeiro).

“Estou fechando os dados do anuário da BLTA. No ano passado, 47% dos associados tinham alguma ação ligada a comunidade, envolvendo educação e preservação de animais ou da floresta. Hoje esse percentual já aumentou para 55%”, diz Simone Scorsato, diretora executiva da associação.

“Vai existir uma recessão muito grande. A gente entendeu que poderia impulsionar o turismo solidário, que é transversal a qualquer atividade e ter como esse conceito como uma base forte para a retomada do setor.”

Fonte: Estadão

Nos acompanhe por e-mail!