Imaginemos que um homem ande pelas ruas de um lugar bem frio da Europa e ataca um total desconhecido. Depois de sabermos que a vítima era um homem negro, diremos “aí está um crime de ódio”.
Os ditos crimes de ódio são, na verdade, crimes de ódio grupal, e necessariamente têm um quê de impessoalidade.
Quer ver?
Suponhamos agora que o homem negro não fosse um total desconhecido, pois o assassino acabara de descobrir que se tratava do amante de sua esposa.
Nesse caso, o assassino nutria ódio pela pessoa do Ricardão, mas o assassinato não seria aquilo que chamamos de “crime de ódio”.
O Ricardão teria sido morto pelo que fez, e não por uma característica inata sobre a qual não tem nenhum controle.
Um assassinato impessoal, cometido por quem odeie conjuntamente uma parcela da humanidade, é o que chamamos de crime de ódio.
Crimes de ódio costumam ser étnicos, e não deixam de ser um tribalismo revisitado. Membros de um grupo populacional majoritário resolvem que, em seu país, não cabem cidadãos de origem étnica diversa, e resolvem acabar com eles.
Quando não têm origem étnica, os crimes de ódio vitimam um outro grupo que é minoritário em qualquer sociedade: os homossexuais.
Tanto o racista quanto o homofóbico vislumbram uma sociedade biologicamente viável, em que indivíduos de um mesmo grupo étnico procrie e em que a homossexualidade não seja praticada.
Se uma sociedade matar todos os gays e todas as minorias étnicas, ela não deixará de existir por isso, como bem sabiam os nazistas.
Agora imaginemos que um homem cruze a rua com fúria assassina ao ver… uma mulher! Vai lá e a mata porque não tolera a existência de mulheres na sociedade. Isso pode fazer algum sentido?
Bruna Frascolla é doutora em Filosofia pela UFBA, atualmente pesquisadora colaboradora da Unicamp, tradutora dos "Diálogos sobre a religião natural", de David Hume (Edufba, 2016), autora de "As ideias e o terror" (República AF, 2020) e colaboradora da Gazeta do Povo.
Bruna Frascolla é doutora em Filosofia pela UFBA, atualmente pesquisadora colaboradora da Unicamp, tradutora dos "Diálogos sobre a religião natural", de David Hume (Edufba, 2016), autora de "As ideias e o terror" (República AF, 2020) e colaboradora da Gazeta do Povo.
Teocracias islâmicas
A coisa mais parecida que pode acontecer com isso é um homem ver uma mulher sem véu no meio da rua em Teerã ou Dubai. Não existem sociedades mais misóginas do que as teocracias islâmicas.
Para se ter uma ideia, na Arábia Saudita é perfeitamente possível uma vítima de estupro ser açoitada por adultério, ou então por se colocar em situação vulnerável.
No Paquistão, os crimes de honra são comuns. Roubam a paz às mulheres, mesmo que elas tenham nascido e crescido em democracias ocidentais e absorvido seus valores.
Ainda assim, nenhum desses misóginos ataca mulheres pelo fato de elas serem mulheres. Atacam-nas por serem mulheres que não se portam da maneira esperada por eles.
Não há nada que um negro possa fazer para agradar um skinhead e ser admitido em sua sociedade. Não havia nada que um tutsi pudesse fazer para agradar um hutu e ser admitido em sua sociedade. Não há quase nada que um gay possa fazer para agradar um teocrata islâmico e ser admitido em sua sociedade. (Digo “quase” porque os aiatolás aceitam que os gays a mudem de sexo para escapar da forca.)
Por outro lado, os países misóginos fazem questão de ter mulheres em suas sociedades. Só que as mulheres devem estar lá adestradas para se portar da maneira como os homens querem.
De admirar seria um país onde realmente houvesse recorrentes crimes de ódio contra mulheres, de maneira que muitas fossem mortas apenas por serem mulheres.
Enquanto existirem homens heterossexuais e enquanto os bebês vierem ao mundo passando pela barriga das fêmeas da espécie, não haverá sociedades onde muitas mulheres sejam mortas apenas por serem mulheres.
Não dá pra ter sociedade sem mulher.
É verdade que isso não impede doidos avulsos de cometerem crime de ódio contra mulheres.
Tenho em mente casos como o Massacre de Realengo, no qual o atirador, rejeitado pelas meninas na adolescência, voltou à escola onde estudou para matar o maior número de meninas possível.
Aquelas que morreram nunca o tinham visto na vida e seu “crime” foi nascer menina. Mas não é isso que chamam de feminicídio.
Feminicídio é crime passional
Os jornais televisivos agora ensinam que feminicídio é quando uma mulher é morta pelo mero fato de ser mulher.
Antes diziam só “homicídio doloso, quando há intenção de matar” e “homicídio culposo, quando não há intenção de matar”.
Agora acrescentam essa liçãozinha estapafúrdia toda vez que noticiam o assassinato de uma mulher por um ex-namorado ciumento.
Ora, o ex-namorado matou uma mulher aleatória, como o atirador de Realengo, ou a ex-namorada?
Se ele odeia mulheres a ponto de matá-las “apenas por serem mulheres”, por que não tocar fogo em salão de beleza ou cometer atentado em show de Roberto Carlos, em vez de matar uma mulher só?
E, se for para matar uma mulher só, por que não uma desconhecida, que atrairia muito menos suspeitas?
É óbvio, óbvio ululante, que ele queria matar a ex por ser a ex, e não por ser mulher. Trata-se do bom e velho crime passional.
Em algum momento da década passada, feministas resolveram que a expressão “crime passional” é horrível por conter “paixão” e romantizar assim o agressor.
É coisa de gente iletrada, porque qualquer um sabe que a Paixão de Cristo não é história de namoro e que “paixão” tem mais de um significado.
Quando um cabra macho mata outro no calor das emoções, entende-se que foi um crime passional, sem que com isso se queira dizer que eles estavam namorando.
Agora vamos ao mais importante: digamos que uma louca ciumenta não aceite o fim do relacionamento e esfaqueie o marido até a morte. Isso é feminicídio? Não. O homem foi morto apenas por ser homem? Não, foi morto por terminar o relacionamento. Mas não existe androcídio.
Das duas, uma: ou mulheres são anjos que nunca matam um homem por ciúmes ou o assassinato de um homem é menos grave do que o assassinato de uma mulher.
Ora, mulheres matam homens por ciúme, sim. Podem matar menos, mas matam. E o fato estatístico de o conjunto de mulheres matar menos do que o conjunto dos homens é irrelevante para julgar as atitudes de um indivíduo homicida.
A menos que o legislador diga logo, com todas as letras, que quer melhorar a proporção de homicídios no mundo, fazendo com que mais homens morram, temos que acusá-lo de uma incompreensível negligência com a igualdade dos sexos perante a lei.
Matar um cônjuge é errado, independente do sexo.
Mentalidade genocida
Tudo agora é proporcionalidade. Começamos nas cotas raciais proporcionais nas universidades e serviço público e agora rumamos às cotas proporcionais nos homicídios.
Em vez de impedir o assassinato dos cidadãos, o legislador quer uma bela proporção de mortos.
Não reclamam que morrem proporcionalmente negros demais? Se o problema for a proporção, o aumento de morte de brancos resolve.
Essa é uma cosmovisão genocida. Digamos em alto e bom som aos legisladores que não é função sua retificar o mundo por meio de leis, mas sim impedir que os cidadãos se matem uns aos outros.
Mas o que parece, mesmo, é que a finalidade dos legisladores é fazer o possível para que todos se odeiem e se matem uns aos outros.
A morte de negros e pardos é interpretada como resultado de guerra racial vencida pelos brancos. A morte de mulheres é tratada como guerra entre os sexos.
Afinal, por que a morte de uma mulher em assalto não é feminicídio? Porque bandido é bom, bandido é vítima da sociedade.
O que interessa é melar as relações pessoais entre homens e mulheres.
Vem mais lei burra aí
Agora a deputada Shéridan (PSDB) resolveu que tipificar e criminalizar o stalking virtual, o que supostamente combaterá os feminicídios por tabela.
Pelo menos ela não inventou o feministalking e nada impede que a lei seja feita com respeito à igualdade entre os sexos.
Mas a argumentação é de doer: uma alta porcentagem de vítimas de feminicídio sofreu stalkig, então criminalizar stalking (com quatro anos de cadeia) vai impedir feminicídios.
Nas redes sociais, Tabata Amaral (aquela que só fala que quer mulher eleita, mas fez campanha pelo namorado João Campos contra Marília Arraes) escreve o seguinte:
“O Brasil é o 5º país que mais mata mulheres em crimes motivados pelo gênero. Só neste Natal, pelo menos mais seis mulheres perderam a vida vítimas de feminicídio. Alguns responsáveis, atuais ou ex-companheiros, ainda seguem impunes.
Apesar das vitórias conquistadas pela nossa Bancada Feminina na Câmara dos Deputados, com a aprovação de uma série de emendas e projetos que visam o combate à violência contra a mulher, o caminho ainda é longo e a realidade brutal.
Seguirei trabalhando para proteger nossas meninas e mulheres, para que tenham garantido o direito mais básico de todos: o direito à vida".
Será que nenhuma dessas mulheres tem a ideia de botar bandido na cadeia e deixar na cadeia? Precisa inventar crime de stalking? E depois? Vai ter crime de xingar?
Olhe lá, que na certa algum estudo de Harvard vai revelar a incrível descoberta de que uma altíssima porcentagem de vítimas de feminicídio foi xingada. Quem rejeitar o argumento será obscurantista e anticiência.
Se essas deputadas estivessem interessadas em resolver o problema das mulheres, lutariam para acabar com o semiaberto com um mísero sexto da pena.
Dariam um jeito naquela coisa ridícula que é o homem assinar um papelzinho se comprometendo a não chegar perto da vítima e ficar de boa na rua.
Elas não têm interesse em acabar com o assassinato de mulheres; elas só querem aparecer pro eleitorado progressista.
Nem que isso custe a queda do valor da vida do homem e a relação pessoal entre homens e mulheres.