Por Léo Mittaraquis
Graduado em Filosofia, escritor, crítico literário e obsessivamente enófilo.
Uma semana em São Paulo. Dezenas de possibilidades: do teatro ao bar pé-duro; do pastel de rua à alta gastronomia; da 25 de março aos museus. Um pouco das nossas andanças pela cidade que amamos tanto.
No Los Perros
No Los Perros
E vamos lá, de mala e cuia pra São Paulo. Chegamos pela manhã e já nos largamos para o Mercado Municipal. Fazer o quê por lá? Antes de tudo, tomar café e comer um sanduíche de mortadela. Onde, lá dentro? Ora, no "Mortadela Brasil", inaugurado em 2004 junto com a restauração do Mercadão, quando foi construído o mezanino. Vão-se aí vinte anos.
Pedimos o "Brazuquinha". Não se enganem com o sufixo diminutivo. Um foi o bastante para nós dois.
Em seguida, como, no nosso caso, não poderia deixar de ser, pedimos dois Brahma Black. Cremoso, notas de café e amêndoas tostadas.
Iara ao balcão (Los Perros). Para ela, o melhor lugar
Iara ao balcão (Los Perros). Para ela, o melhor lugar
Percorremos as ruelas, ladeado por lojas e bancas a oferecer todo tipo de coisa. Figos e morangos imensos, variedade de queijos de causar vertigem, tâmaras carnudas (nas quais sou viciado), temperos provenientes dos tantos cantos do mundo, doutras fascinantes culturas.
Amante da cozinha que sou, adquiri uma boa quantidade. Há que se ter cuidado com o “golpe da fruta”. Se der vacilo, paga uma fortuna por um punhado de amoras, uns gominhos de laranja ad libitum.
Bardega. O maior winebar da América Latina.
Bardega. O maior winebar da América Latina.
Por fim chegamos ao local que, há tempos, se faz presente nos nossos corações e mentes: "Banca do Ramon". E o que é isso? Que lugar é esse, por Zeus?
Hum... Melhor seria exclamar "Por Dionísio!" ou "Por Baco!".
Vinhos selecionados, embutidos, queijos e frutas secas de primeira qualidade. Optamos por uma mesa e cadeiras altas. Escolhemos os vinhos e passamos o finalzinho da manhã e o começo da tarde. E o legal foi, também, termos a oportunidade de conversar com o Ramon. Generoso, atencioso, o velho comerciante nos proporcionou momentos de muito boa conversa.
Da banca trouxemos conosco duas garrafas de Retsina, vinho grego de sabor dos mais estranhos...
Beirute e X-Tudo
Beirute e X-Tudo
De volta ao edifício Marian (ou Germaine Burchard), onde nos hospedamos, tiramos o restinho da tarde para descansarmos.
Ah, cumpre procedermos com alguns comentários sobre o imóvel. O Germaine Burchard (ou Marian) foi projetado por Enrico Brand na década de 30, e construído por Archimedes de Barros Pimentel logo em seguida, a pedido da condessa Germaine Lucie Burchard. A nobre senhora era pra lá de rica.
Germaine foi uma brasileira que morava em Paris e tinha muitos imóveis e terrenos no Brasil. Mas, infelizmente, não gostava de pagar em dia e nem o total do acertado. A construção desse brinquedo com treze andares, por causa do condenável comportamento da condessa, causou grandes prejuízos aos profissionais envolvidos.
Entretanto, há de se reconhecer que o edifício é uma belezura. Em 1941, foi considerado o mais belo empreendimento imobiliário da cidade. Endereço? Avenida Cásper Líbero, Centro Histórico de São Paulo.
Sanduíche de picanha
Sanduíche de picanha
O Burchard/Marion fica pertinho da Igreja de Santa Ifigênia, a qual visitamos. As informações sobre a igreja estão à disposição na Internet. O estilo arquitetônico da igreja tem um caráter neorromânico com detalhes neogóticos, inspirado em igrejas medievais do norte da Europa. O interior foi ricamente decorado com pinturas, vitrais, púlpitos e um órgão monumental.
Foi emocionante admirarmos, nas frias manhãs, a parte mais alta da igreja um pouco envolvida pelo "fog". As amplas janelas do apartamento em que ficamos ofereciam uma visão mais que privilegiada. Tanto da igreja como de outros pontos da cidade.
Recuperados, pela noite fomos ao Teatro Nair Bello, localizado na Rua Frei Caneca. Fazer o quê? Ah... Assistir à peça “Manhattan”. A história se passa em Nova Iorque dos anos 50. O famoso escritor Sr. Williams, passa por uma crise intelectual. Não consegue escrever e, para piorar a situação, é constantemente pressionado pelo estúdio. Deve, de acordo com o contrato, entregar, o mais breve possível, novo roteiro para que os produtores realizem um longa-metragem. Não falta vinho na trama.
A peça foi escrita por Paulo Emílio Lisboa (que atua), com direção de Maurício Guilherme.
De acordo com a crítica especializada, "Manhattan" recorda, com elegância e excelência, glamour do teatro e do cinema norte-americanos dos anos 50. Interpretações impecáveis. Aplaudimos de pé. Mereceu.
Provavelmente, num futuro próximo, tecerei minhas considerações sobre a peça.
Com uma taça de vinho Roma. Um vinho versátil, nascido no arredores de Roma. Encorpado, equilibrado com final longo e persistente.
Com uma taça de vinho Roma. Um vinho versátil, nascido no arredores de Roma. Encorpado, equilibrado com final longo e persistente.
Então, ao sairmos do teatro Nair Bello, decidimos dar uma esticadinha até o Paris Lanches. Nome chique, né? Pois o lugar é um restaurante e lanchonete, localizado na Avenida São João, Centro Histórico de São Paulo. Tarde da noite, as respectivas figuras dão o ar da graça. Eu e Iara, pedimos beirute e x-tudo. Muita comida. Deu trabalho. Ao redor, pessoas a trabalhar, a beber, a cantarolar, a dançar e apenas a passar.
Saímos da mesa e vamos para a calçada. Sacamos dois cigarros Dunhill Carlton Blend e fumamos sem pressa. Inexoravelmente, quem perambulava pela rua nos vê. Avalia nossa reação. Percebe que estamos de boas. Se aproxima, pede, com toda educação, um cigarro. Damos e acendemos. Uns seguem, outros ainda puxam conversa.
Gostamos do frio da noite, permite que bebamos brandy e café entre as baforadas. Madrugada se anuncia. Voltamos, portanto, ao flat constituído por cama, mesa, cozinha e banheiro num só espaço, sem divisões. O porteiro da noite nos recebe amistoso. Temos a impressão de que, ao entrarmos no antigo elevador, nos depararemos com Liliana Cavani e Isa Miranda.
Na exposição "A Beleza da Carne", com obras de Francis Bacon, no MASP.
Na exposição "A Beleza da Carne", com obras de Francis Bacon, no MASP.
Manhã de domingo. Temos compromisso firmado desde antes de chegarmos à Sampa. Inscritos no curso "Sensorial na Prática", ministrado pelo crítico gastronômico Ian Oliver, nos largamos para o restaurante IMMA, onde tudo aconteceria. O nome IMMA, inclusive, refere-se ao filósofo Immanuel Kant. A rua onde fica o restaurante, também leva o nome do autor de "Crítica da Razão Pura" e meu pensador predileto. Intensivão. Das nove da manhã às cinco e trinta da tarde. Ao final do evento, a cuca estava com mais informações do que nossa capacidade de processá-las.
Manhã no COPAN. Café Floresta. Média, esfirra de massa folhada e pão de queijo. Mais tarde, no mesmo bat-local, por volta das treze horas, assentamos nossos derrieres em bancos e ficamos ao balcão do Paloma, bar de vinhos. Bons rótulos, boa comida, bom atendimento.
Os dias se seguiriam até a sexta-feira. Muita coisa para ver, ouvir e beber quando, como nós, se sabe fazê-lo bem. Sampa é musa que se oferece, generosa, a quem sabe admirá-la, cultivá-la, consumi-la.
Entre tantos e tantos momentos, museus e mais museus; vinhos e mais vinhos; bares e mais bares; ruas e mais ruas. Metecos ficam deslumbrados. Mais uma vez passeamos meio que easy rider pela Paulista. Eu tal qual Billy (Hopper), ela tal qual Mary (Basil). A cidade é assim. Eu, a mulher e a cidade. Praças, ruas, amor, café, arte e liberdade.
Até a próxima.