Por Léo Mittaraquis
Graduado em Filosofia, escritor, crítico literário e obsessivamente enófilo.
"E então abri a loja de queijos artesanais em um lugar muito mais visível. Clientes vieram e questionaram: como você vende queijo e não vende vinho? Providenciei imediatamente"
Leonardo Fittipaldi, sócio-proprietário de Cheese + Art — A Casa de queijos artesanais do Brasil (Recife)
Como bem diz, Iara Mittaraquis, imperatriz absoluta do meu coração, feriado que se preza começa com uma boa garrafa de vinho branco, seguida de uma igualmente boa de tinto. Portanto, nesta recente patuscada, nos largamos para Recife com o claro e sóbrio objetivo de conhecer alguns estabelecimentos que servem, além de tudo de bom que têm, variados viníferos rótulos.
Após chegarmos, na quinta-feira, apenas deixamos a bagagem no flat, em Boa Viagem, e partimos para a noite recifense. Fomos ao "Vinho na Calçada", bar de vinhos localizado no bairro Boa Viagem, que possui uma carta muito bem planejada.
No bar "Vinho na Calçada", na Boa Viagem, em Recife
No bar "Vinho na Calçada", na Boa Viagem, em Recife
Pedimos, inicialmente, um "Mar Salgado", região do Minho. Uma assemblage composta por Loureiro, Trajadura, Arinto. Traz uma graciosa tonalidade dourada, a tender para o claro. Sua graduação alcoólica é de 11%. Detém um potencial de guarda de três anos e deve ser servido à temperatura de até 10 graus centígrados. O prato eleito como acompanhante foi camembert assado na massa folhada. Muito bem-feito, conversou pacas com o vinho.
Primeiro prato e vinho consumidos, pedimos um tinto do mesmo rótulo e um sanduíche de pernil. Na minha opinião, a sequência foi muito feliz. O Mar Salgado de cor rubi é o resultado da meticulosa seleção e combinação das uvas Castelão, Aragonez e Touriga Nacional. Traz o suave aroma de frutas vermelhas maduras. Na boca, os taninos não agridem. Provavelmente pelo curto estágio em barrica. Álcool a 13%, contudo, bem equilibrado.
Tive até tempo de ir a uma estranha tabacaria próxima e conseguir umas cigarrilhas, voltar, continuar a beber e, também, fumar.
A noite recifense correu calma. Os antigos prédios próximos, o bucolismo da rua em frente ao bar, as eternas figuras noturnas, foram temas da conversa. Um dos atendentes vem à mesa e avisa que precisam fechar. Há apenas nós. Encerramos a conta e voltamos ao temporariamente nosso flat.
Tudo bem: ainda teríamos mais três dias pela frente.
E então, sextou, como se costuma dizer. Logo pela manhã, fomos cuidar da hidratação. Paramos num quiosque da orla, bebemos geladíssima água de coco, ao preço, absurdamente baixo, de cinco reais cada coco. Pagaríamos o dobro sem reclamar.
Barriga cheia d'água, fomos a um paraíso para quem ama ler, a “Praça do Sebo”. Quase quarenta e cinco anos de existência. Encontrei livros sobre vinhos bem em conta, lá. Iara, leitora inveterada de quadrinhos japoneses, descobriu preciosidades: raríssimos mangás.
Mais uma vez: se você gosta de ler e cavucar sebos em busca daquela edição especial, a Praça do Sebo é o lugar certo.
Na Praça do Sebo, no bairro Santo Antônio, no Recife
Na Praça do Sebo, no bairro Santo Antônio, no Recife
Iara não conhecia Keep Cooler. Contei a ela sobre a cultura desta bebida nos anos noventa. Fomos ao Palato, onde pude apresentar a bebida a ela. A bebida tem 35 anos de criada pela vinícola Aurora. Harmonização: comida japonesa. Hossomaki, para ser exato. A imperatriz ficou encantada. Levamos algumas garrafas para o flat. Sabores: morango e pêssego
O clima nipogastronômico teve continuidade à noite, no izakaya (substantivo masculino, mesmo) Yokocho, bairro Torre. Como fizemos reserva (recomendamos), o balcão estava à nossa disposição.
Tínhamos também nos certificado de que o estabelecimento oferecia vinho branco. Prevenidos, de antemão, que beberíamos o Adega de Monção, uvas Trajadura e Alvarinho, perceberam que só dispunham duas garrafas. Fomos obrigados, de boas, a nos contentar com uma. A outra também fora reservada por outrem.
Antes, bebi uma caneca da melhor bebida não alcoólica, à base de chá mate que bebi nos últimos tempos. Pedimos, depois, o vinho e os pratos que bateram o maior papo com a garrafa: eu espetinho de frango empanado; ela, espetinho de polvo. Seguidos de "Combinado do Chef" e deliciosas guiozas servidas numa vaporeira feita com bambu. Famosa por sua forma de cesta de empilhável e tampa em forma de cúpula que trava a umidade, é uma peça de cozinha simples, mas muito eficaz.
Então eis que o sábado nos chega com chuva e com sol. Da varanda do flat, assistimos o trecho da orla em frente ser tomado por gente fitness, cachorros, idosos jogando dominó, jogadores, por assim dizer, de voleibol e o mar em ondas escachoantes a tocar sua ancestral e surda sinfonia. Momentos de crônica e de poesia.
Mas o hábito nos lembra: "vamos tomar café".
O fizemos na Augusta, padaria que oferece um cardápio de respeito. Eu estava com vontade de conhecer e comer o cachorro-quente feito com massa folhada ao invés de pão. Pedi, comi, gostei. Iara pediu ovos beneditinos, coisa boa também.
Só não entendemos o motivo de termos de comer em pé. E isso é pra todo mundo. Apesar disso, o local estava lotado.
Tendo satisfeito o cafeínico desejo, tínhamos outro compromisso: visitar a cada vez mais famosa Cheese + Art. Ou Cheese Plus Art.
Da padaria até lá? Bem, coisa de um quilômetro. Fomos a pé.
Hora e horas no Cheese + Art
Hora e horas no Cheese + Art
A ideia era passar uma meia horazinha lá, degustar uns queijinho e, se possível, beber um vinhozinho. Mal suspeitavam de que permaneceríamos no local por horas e horas.
A Cheese+Art tem potencial para ser incluída num roteiro turístico. O espaço é de médio porte, mas, o coração dos sócios-proprietários é enorme. Atendem com atenção e elegância. Demonstram profundo conhecimento sobre os produtos que vendem. Chegamos lá por volta das onze horas. E lá permanecemos até às dezesseis. Ou seja, almoçamos queijos e vinhos.
Tivemos o privilégio de conversar com o Leonardo Fittipaldi e o Eudes, donos do negócio. Sempre solícitos, nos contaram um pouco sobre suas trajetórias de vida. O pronunciado amor pelo projeto é tocante. Nós despedimos com a certeza de que tínhamos feito dois grandes amigos.
E veio a noite de sábado. Destino? O restaurante e casa de decoração (sim, as duas coisas ao mesmo tempo), Entre Vinhos abriu espaço para um grupo musical que interpreta as eternas canções dos Beatles. Boa apresentação. Quanto ao cardápio, fomos de tartar de salmão e vinho branco. O local é muito bonito. Mas, pelo tamanho e pela quantidade de pessoas que comporta, seria interessante ter mais de um banheiro.
Ah, em tempo: tínhamos feito reserva muito antes. O que evitou o constrangimento do ter de ficar em pé a aguardar lugar. E vimos isso acontecer muitas vezes ao longo da noite.
Aguardando o início da apresentação do grupo que toca as inesquecíveis canções dos Beatles
Aguardando o início da apresentação do grupo que toca as inesquecíveis canções dos Beatles
Nosso último dia em Recife, por enquanto, teve manhã preguiçosa. Sentados em cadeiras na varanda, passamos longo tempo olhando o mar e o movimento de pessoas e quiosques em frente. Demos uma fugidinha até uma padaria próxima e voltamos. Arrumar bagagem, fazer check-out e almoçar.
E, mais uma vez, deixo a dica: faça reserva. Evita dor de cabeça. Com mesa garantida, fomos ao Leite, restaurante em funcionamento ininterrupto desde, podem acreditar, 1882!
Bacalhau à Manoel Leite harmonizado com Zé Piteira branco
Bacalhau à Manoel Leite harmonizado com Zé Piteira branco
Os momentos no Leite são mais que um simples almoço: fomos de “Bacalhau à Manoel Leite” (homenagem ao fundador do restaurante), harmonizado com um branco português, com certeza, o Zé Piteira Branco.
Nós e seu Zé Piteira no restaurante Leite
Nós e seu Zé Piteira no restaurante Leite
Nossa mesa estava pertinho do piano e, consequentemente, do pianista. Fomo informados por um dos garçons, pertencente à velha guarda, de que poderíamos pedir alguma música. Foram várias. O Edson Santos, @edpiano, nascido em Aracaju, na rua Laranjeiras, tocou todas.
Almoço musical no centenário restaurante Leite
Almoço musical no centenário restaurante Leite
Muito talentoso, excelente músico, nos fez lembrar da emblemática frase de Nietzsche, aforisma 33, na obra Crepúsculo dos Ídolos:
“Quão poucas coisas são necessárias para a felicidade! O som de uma gaita. - Sem música a vida seria um erro”.
E assim concluímos nosso périplo. Até a próxima.