Variedades

Edição: Hugo Julião
08:10
27/12/2020

'Encontramos nosso bebê no metrô', a bela história de uma adoção

Danny Stewart voltava para casa do trabalho quando encontrou um bebê abandonado em uma estação de metrô de Nova York.

Ele ainda não sabia, mas sua vida estava prestes a mudar.

Como ninguém se apresentou para reivindicar a guarda da criança, a juíza da vara de família perguntou se Danny gostaria de adotar o menino.

Naquele momento, a paternidade não estava nos planos dele, tampouco do seu marido, Peter Mercurio — mas o casal logo se viu conectado àquele bebê.

Peter, Kevin e Danny (da esquerda para a direita) construíram sua família após um encontro inesperado no metrô de Nova York (Fotos: Arquivo Pessoal)

Danny Stewart e Peter Mercurio se conheceram no fim dos anos 1990, apresentados por um amigo em comum, em um time de softbol (espécie de versão simplificada do beisebol, praticada em ginásio coberto) — e acabaram se apaixonando.

Danny e Peter passaram os primeiros anos do relacionamento se divertindo com os amigos e investindo em suas carreiras de assistente social e escritor, respectivamente.

O livro infantil 'Our Subway Baby', de autoria de Peter e ilustrado por Leo Espinosa, conta a história de Kevin (Dial Books)

Mas, na noite do dia 28 de agosto de 2000, um encontro inesperado transformaria suas vidas.

Por volta de 20h, pouco depois da hora do rush, Danny estava saindo da estação de metrô da 14th Street, em Manhattan, quando avistou algo no chão que chamou sua atenção.

"Achei que era uma boneca. E comecei a pensar: Por que uma menina deixaria a boneca dela no chão?

Estava subindo as escadas do metrô para sair, e olhei para trás mais uma vez. Foi quando notei as pernas dele se mexendo", relembra.

Danny não tinha encontrado uma boneca, mas, sim, um bebê de verdade.

"Meu coração começou a bater extremamente rápido, desci as escadas correndo."

"Ele estava sem roupa, enrolado apenas em um suéter escuro, então eu podia ver que era um menino. Ele ainda estava com o cordão umbilical, era um recém-nascido, devia ter um ou dois dias", afirma.

Danny conta que ficou em estado de choque.

"Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo. Estava muito nervoso. Fiquei me perguntando o que tinha acontecido, por que aquele bebê estava no chão. Teria acontecido algo com a mãe? Eu fiquei olhando em volta para ver se não estava me escapando nada."

"Acariciei a cabeça dele, e ele choramingou um pouco. Então pensei: Não vou tocar nele, porque pode estar machucado, e não quero causar mais lesões", acrescenta.



Depois de ligar de um telefone público para 911, o número de emergência dos Estados Unidos, em busca de ajuda, Danny usou a última moeda que tinha no bolso para telefonar para Peter, que estava em casa à sua espera para o jantar.

"Eu encontrei um bebê, e acho que a polícia não acreditou em mim. Então liga para eles, por favor, agora", bradou Danny no telefone.

"Quando ouvi ele dizer: 'Encontrei um bebê', os cabelos da minha nuca se arrepiaram na hora", diz Peter.

"Fiquei confuso no começo, dizia para ele: 'Vai mais devagar, não estou conseguindo te acompanhar'. Mas aí entendi o que ele estava falando, a urgência na voz dele, e eu só disse: 'Acho melhor eu ir até aí'."

A estação de metrô ficava a uma avenida do prédio onde o casal morava.

"Corri o mais rápido que pude."

Quando Peter chegou, a polícia já estava na estação, se preparando para levar o bebê para ser examinado no hospital. Danny prestou então depoimento, e foi liberado.

Registro de quando foram buscar o filho na agência de adoção

Na manhã seguinte, ele chegou a ir até o hospital para saber notícias, mas não conseguiu obter nenhuma informação.

A essa altura, a história já tinha ganhado as manchetes dos jornais, e Danny se viu da noite para o dia dando entrevista em todos os canais de televisão.

Apesar de toda visibilidade na mídia e das tentativas da polícia de localizar a família da criança, ninguém se apresentou para reivindicar a guarda menino.

Danny e Peter voltaram às suas vidas normais e presumiram que a história tinha acabado — mas, na verdade, estava apenas começando.

Três meses depois, no início de dezembro, Danny compareceu a uma audiência na vara de família para prestar depoimento — e recebeu uma proposta inesperada:

"A juíza disse: 'Sr. Stewart, quero que você saiba o que está acontecendo aqui, nos casos em que temos um bebê que foi abandonado, temos a intenção de colocá-lo em um lar adotivo o mais rápido possível'", relembra.

"Na minha cabeça, fiquei pensando que fazia sentido, e então a próxima coisa que saiu da boca dela foi: 'Você estaria interessado em adotar esse bebê?'"

A resposta dele foi imediata.

"Eu disse: 'Sim! Mas não acho que seja assim tão fácil'", declarou Danny, fazendo referência a toda burocracia que envolve o processo de adoção.

"A juíza sorriu e afirmou: 'Mas pode ser'."



Até aquele momento, Danny nunca tinha pensado em adotar uma criança.

"Mas eu não conseguia parar de pensar que aquilo tinha acontecido por uma razão. Eu me sentia conectado, sentia que não era uma oportunidade, mas, sim, um presente", diz ele."Como poderia recusar esse presente?"

No entanto, quando Danny ligou para contar a novidade a Peter, a reação não foi nada boa.

"Minha reação instintiva foi apenas dizer não, não, você não está interessado. Volte lá agora mesmo para a sala da juíza e diga a ela que não, que você cometeu um erro."

"Não tínhamos dinheiro, não tínhamos espaço, tínhamos um colega dividindo apartamento com a gente, e eu também estava com raiva dele: Como pôde dizer sim sem me consultar antes?", acrescenta Peter.

"Naquele ponto, eu estava em choque, atordoado e com medo", avalia.

A partir daquele momento, se seguiram inúmeras discussões, que chegaram a colocar à prova a relação do casal. Até que Danny convenceu Peter a fazer uma visita ao menino, que estava em um lar adotivo provisório.

"Não era um lar ideal. Percebemos isso rapidamente. Ele estava cheio de assaduras pelo corpo porque obviamente não estavam trocando sua fralda, estava seriamente infeccionado, num estado lastimável", descreve Danny.

Foi a primeira vez que o casal pegou o bebê no colo — e foi o que bastou para Peter se convencer da ideia.

"Foi como se uma onda instantânea de calor tomasse conta de mim, quase imediatamente aquilo parecia a coisa certa a fazer. Eu ainda estava nervoso, com medo e ainda tinha minhas reservas. Mas havia algo reconfortante, de forma que eu disse: Ok, sim, podemos fazer isso", conta Peter.

Uma reação que pegou ele de surpresa:

"Achei que podia separar minhas emoções da razão. E não consegui. O bebê apertou meu dedo com tanta força, foi quase como se ele tivesse encontrado um ponto de pressão que simplesmente abriu meu coração para minha cabeça, e me mostrou naquele momento que eu poderia ser um dos seus pais."

Até hoje a lembrança daquele dia deixa o casal emocionado.

Eles saíram de lá comprometidos a levar adiante juntos o processo de adoção.

E decidiram chamar o bebê de Kevin, em homenagem a um irmão de Peter que morreu durante o parto.

O primeiro Natal de Kevin foi repleto de afeto

Uma semana depois, no dia 20 de dezembro, eles compareceram ao tribunal para formalizar sua intenção de adotar o bebê — um processo que, em tese, levaria de seis a nove meses.

E, mais uma vez, foram surpreendidos pela juíza.

"Ela olhou rapidamente o calendário que estava sobre a mesa, olhou para a gente e disse: O que vocês acham de pegar ele no feriado?"

"Nós assentimos que sim, mas internamente eu estava pensando: Que feriado? Espero que ela não esteja se referindo ao Natal, porque é daqui a alguns dias", recorda Peter.

"Ela começou então a orientar os advogados e assistentes sociais para deixar o bebê pronto em dois dias para nós buscarmos."

Danny e Peter tiveram menos de 48 horas para se preparar para se tornarem pais.

"Quando chegamos em casa do tribunal, eu liguei imediatamente para a minha família e apenas disse: Isso acabou de acontecer no tribunal, o bebê chega na sexta de manhã, temos que buscá-lo na agência de adoção. Me ajudem!", conta Peter.


A família fez uma verdadeira força-tarefa para preparar a casa para a chegada de Kevin — o casal ainda não tinha comprado nada do enxoval.

"No dia seguinte, Danny e eu fomos a uma livraria e começamos a olhar livros no estilo O Que Esperar Quando Você Está Esperando. Ficamos lendo e tentando descobrir o que fazer quando ele chegasse."

"Condensamos de seis a nove meses de preparação em um dia naquela quinta-feira", diz ele.

Às vésperas do Natal, os dois foram então buscar Kevin na agência de adoção, acompanhados da mãe de Peter — e acharam que seria apropriado voltar de metrô para casa.

"Tinha começado a nevar, o que tornou tudo ainda mais mágico, a neve caía enquanto caminhávamos da estação de metrô até nosso apartamento", recorda Danny.

"Meu pai e minha irmã tinham vindo de Nova Jersey com todas as compras, então enquanto estávamos na agência, eles estavam em nosso apartamento preparando tudo, montando berço e tudo mais", acrescenta Peter.

"Havia caixas de fralda em todos os lugares, mal conseguíamos nos mover."

'Peter criou um livro ilustrado para contar a história de como nos tornamos uma família', diz Danny

Eles foram passar o Natal com família de Peter — e Kevin não poderia ter tido uma recepção mais calorosa.

"Ele foi o centro das atenções. Todo mundo queria pegar ele no colo, e acho que ele gostou da atenção. Toda a atenção que ele não recebeu nos primeiros três meses de vida, ele recuperou rapidamente."

Para evitar confusão, os pais ensinaram Kevin a chamá-los de daddy Danny e papa Peter. E fizeram questão de ser transparentes desde o início sobre seu processo de adoção.

"Nós sabíamos que ele iria acabar descobrindo a história, porque era de conhecimento público, todas as pessoas na nossa vida sabiam. E não queríamos que ele descobrisse por outra pessoa", explica Danny.

"Peter criou então (uma versão preliminar de) um livro ilustrado para contar a história de como nos tornamos uma família. Quando ele tinha 3 ou 4 anos, o livro passou a fazer parte do nosso ritual na hoa de dormir."

"Era basicamente um livro infantil que líamos para Kevin quase todas as noites. E usamos nossos nomes verdadeiros", completa Peter.

Registro da graduação de Kevin no ensino fundamental em 2011

Levou quase um ano para Kevin se dar conta de que aquela era sua história — e a reação dele não poderia ter sido melhor.

"Ele ficou empolgado, dava para ver seus olhos brilhando. Estava tão orgulhoso da história que quis contar na escola", diz Danny.

E será que em algum momento Kevin demonstrou interesse em relação aos pais biológicos?

"Acho que quando estava no ensino fundamental, ele tinha curiosidade em saber. De vez em quando, ele olhava as pessoas que passavam por nós na calçada ou em restaurantes, e apontava: 'Aquela mulher tem a mesma cor de pele que eu'."

"Mas ele nunca se estressou com isso, e simplesmente passou... ele nunca tocou no assunto."

Kevin sugeriu que a juíza do seu processo de adoção oficializasse o casamento dos pais

Em 2011, o estado de Nova York legalizou finalmente o casamento gay — e o casal acabou decidindo oficializar a união.

"Perguntei a Kevin a caminho da escola, o que ele achava. E ele respondeu: 'Claro, vocês devem casar'", conta Peter.

"Ele estava empolgado com a idea e perguntou: 'Juízes não casam pessoas?' Eu disse que sim, e já sabia aonde ele queria chegar. Você quer que eu pergunte à juíza que fez sua adoção se ela pode casar a gente? E ele disse que sim: 'Por que você não pergunta a ela?'"

Assim que chegou em casa, Peter enviou um email para a vara da família de Manhattan com o pedido. Poucas horas depois, recebeu a resposta:

"O e-mail dizia: Passamos sua mensagem à juíza, teremos o maior prazer em oficializar sua união."

O reencontro com a juíza, dez anos depois, tornou a cerimônia ainda mais especial.

"Foi uma sensação avassaladora de felicidade e deslumbramento, que aquela mulher, que era a razão de sermos uma família, era mais uma vez, a razão de nos casarmos. Era como se fechasse um ciclo", diz Danny.

A família gosta de fazer caminhadas e explorar parques nacionais

O casal teve a oportunidade ainda de conversar com a juíza sobre o processo de adoção de Kevin.

"Ela disse que todos os bebês precisavam de uma conexão com alguém, então quando Danny estava prestando depoimento no tribunal sobre como havia encontrado o bebê, na cabeça dela, aquele bebê não tinha outra conexão, e sua conexão mais séria era com Danny. Então por que não perguntar a ele?"

"Foi praticamente simples assim. Ela enxergou uma conexão que já havia sido feita, e teve o palpite de que seria a conexão certa", explica Peter.

Kevin hoje tem 20 anos e está na universidade. E seus pais não conseguem imaginar a vida sem ele.

"Minha vida se tornou muito mais rica e completa, mudou minha visão de mundo, minhas perspectivas, não só a nível pessoal, mas profissionalmente... Então não consigo imaginar minha vida de outra forma. Foi uma experiência transformadora para mim em diferentes níveis", afirma Danny.

"Assim como a paternidade era impensável para nós lá atrás, é ainda mais impensável hoje não sermos pais, tendo criado esse rapaz. Eu não sabia que esse nível profundo de amor existia até meu filho entrar na minha vida", acrescenta Peter.

Peter lançou um livro infantil ilustrado sobre a história da família, inspirado no que fez para Kevin na infância, chamado Our Subway Baby ("Nosso bebê do metrô", em tradução livre).

Os dois contaram como esta adoção inesperada transformou suas vidas em entrevista à jornalista Anu Anand do programa de rádio Outlook, da BBC.

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