Esta entrevista foi uma iniciativa dos alunos Geofredes Alves de Oliveira, Idyl Ícaro Santos Maciel, Larissa Marques de Menezes, Millene Beatriz Santos Menezes e Moara Santana Oliveira, do 5° período do curso de Psicologia, da Unit.
O trabalho fez parte de um projeto da disciplina de Psicologia Comunitária, ministrada pela professora Larissa Leal.
A psicóloga convidada foi Tatiana Torres de Vasconcelos, escolhida por sua vasta contribuição nesta área e por sua visão humanista.
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Como foi sua experiência no âmbito da Psicologia Comunitária?
Tatiana Torres Vasconcelos - Trabalhei de 2004 a 2017 com políticas públicas. Todas as experiências aconteceram no âmbito comunitário.
Um dos aspectos mais marcantes foi perceber que existem várias sociedades dentro de uma mesma sociedade.
O trabalho com famílias vulneráveis, social e economicamente, expande a nossa consciência sobre a dimensão coletiva que atravessa nossa experiência de saúde mental e qualidade de vida.
Também nos faz perceber que o adoecimento não é uma condição individual, mas uma consequência de como nos organizamos socialmente, dos valores e crenças que compartilhamos culturalmente e que vão produzindo, como efeito colateral, a dor, o sofrimento e a desigualdade social.
Qual a importância da Psicologia Comunitária?
TTV - Entendo que a Psicologia Comunitária é essencial para nos fazer perceber a dimensão sociológica, antropológica, política e econômica que atravessa a nossa experiência como ser humano.
Compreendo que o adoecimento não é individual e sim coletivo, que a origem do adoecimento e da saúde deve também ser buscado numa perspectiva social, política e econômica, caso contrário não estaremos transformando a sociedade em que vivemos.
No meu entendimento esse é o papel da psicologia comunitária - o exercício da profissão a favor da transformação social, da construção de uma sociedade mais saudável, produtora de saúde mental e qualidade de vida.
Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) existentes no país são o resultado da Reforma Psiquiatra no Brasil, fruto da luta antimanicomial de vários profissionais da área de saúde mental.
Como foi trabalhar nessas instâncias?
TTV - Comecei a trabalhar em Caps desde o estágio institucional na faculdade, em 2003. Naquele momento, os serviços substitutivos estavam sendo implantados e municipalizados.
Era um momento muito inspirador, pois os movimentos dos trabalhadores da saúde mental e dos usuários estavam atuantes e ganhando força no cenário nacional, ampliando a legislação e favorecendo a criação de políticas públicas que dessem conta da criação de um novo modelo de saúde mental.
Contudo, também era um momento de muitos desafios. A construção de um novo modelo é algo que exige a participação e o engajamento de toda a sociedade.
Quais as maiores dificuldades em relação ao trabalho com a comunidade?
TTV - Para mim, na minha experiência, o maior desafio foi lidar com a precariedade estrutural em que os serviços assistenciais eram prestados.
Faltava muitas vezes o básico para realizar um trabalho efetivo. Outro grande desafio foi trabalhar em intersetorialidade, que é fundamental para quem trabalha com políticas públicas.
Que contribuição a Psicologia Social Comunitária pode oferecer nesse tempo em que vivemos uma pandemia e a privação de contato?
TTV - É perceber o quanto de adoecimento tem sido produzido nas instâncias coletivas e trabalhar no exercício da profissão de modo crítico e reflexivo para atuar a favor das transformações necessárias nos pequenos grupos, aos quais, tivermos acesso.
Qual o elo entre a Psicologia Social Comunitária e as questões sociais?
TTV - No período em trabalhei com comunidades me mantive próxima à universidade, foi quando fiz a especialização em direito de família e políticas sociais, como também minha formação em psicodrama.
Eu buscava formas de me instrumentalizar para agir como catalizador de transformação social. De 2004 a 2017, o Estado promovia vários espaços de discussão e trocas através de conferências e espaços de capacitações.
Hoje, através dos noticiários, vejo um desmonte em nosso país, vejo se desmontando tudo que era muito frágil, pois ainda estava se construindo. É muito triste ver o cenário atual.
Um dos objetivos da Psicologia Comunitária é promover mudanças na comunidade. Durante a sua atuação foi percebida alguma mudança?
TTV - Uma das minhas grandes angústias quando trabalhava com comunidades é que as mudanças não são tão perceptíveis, isso me angustiava... hoje, com o desmonte, eu consigo ver com mais clareza o quanto estávamos avançando e construindo algo que estava sendo muito importante para o país.