Cultura & Variedades

Léo Mittaraquis
08:54
28/06/2024

Rótulo — O que me diz aquilo diante dos meus olhos? Uma reflexão filosófica

Por Léo Mittaraquis
Graduado em Filosofia, escritor, crítico literário e obsessivamente enófilo
.

“Acredito que um rótulo pode levar o consumidor de maneira mais direta a um produtor individual do que qualquer outro produto”

Jancis Robinson

 

Uma imagem vale mais que mil palavras? Muitas vezes sim. Porém, vez por outra não. E, sei bem, este questionamento poderia ser aplicado a qualquer outra situação ou coisa. Então, a referência para a conversa, reflexão, aqui, com o leitor, é o vinho, mais especificamente a garrafa e o rótulo.

 

Podemos dizer que o rótulo é a embalagem do vinho. Outras bebidas também se destacam, antes que as abramos e bebamos, pelo rótulo? Sim, mas, enfatizo, minha coluna tem [mais] a ver com vinho.

 

Há rótulos simples, modestos, com poucos elementos, a apresentar vinhos extraordinários. Há rótulos sofisticados, verdadeiras obras de arte gráfica, com relevo, quinta cor, até mesmo com pedras semipreciosas. Mas o conteúdo, o que afinal importa mais que tudo, é uma boa bosta.

Observem que belo rótulo. Os primeiros vestígios iconográficos ou escritos de vinha Bordeaux cultivada datam de 2500 aC. Por volta do século VI aC, a videira foi introduzida no sul da Gália através do porto de Marselha através de navegadores gregos e fenícios.

---------------------------------

Recomendável manter em mente que, nos pegue-e-pague do mundo, nos supermercados, espaços de compra em massa, de preços um tanto populares, os rótulos nas garrafas de vinhos são coloridos para que possam competir entre si pela atenção.

Ou seja, todo e qualquer vinho (ou bebidas ofertadas com a denominação ‘vinho’) representam o esforço de cada fornecedor concorrente em fazer com que lancemos o olhar no seu produto e sejamos fisgados.

Caso o sejamos, não será por acaso. O rótulo é feito de textura, fontes de letras, imagens, cores de alto poder simbólico, slogan...

Às vezes, um belo rótulo de vinho pode ser apreciado (quase) tanto quanto o próprio conteúdo da garrafa. Rótulos com designs inteligentes mostram criatividade, oferecendo profundidade e entretenimento, permitindo mais uma camada de conversação à experiência de beber uma boa garrafa de vinho.

Mais uma vez, as imagens, as palavras.

Nos antigos rótulos encontramos referências de histórias fascinantes de perseverança, superação, tradição através de dezenas de gerações.

-------------------------------------

Ver, cheirar e beber

Bem. Decidimos por tais e tais rótulos/garrafas e compramos. Não vemos, então, a hora de chegarmos em casa. Preparar o jantar, abrir a garrafa, por coisa de um dedo na taça, girar, cheirar e beber.

Sim, após derramado na taça, nós, a cumprir o ritual, examinamos cor, lágrimas, aroma... O último fator não é visível, mas, tão somente, sensível ao nariz.

Pois bem: deixaremos tudo agora pelo que foi visto e sentido? Palavras serão desnecessárias? Seguirá o silêncio? Não haverá espaço para comentários?

Ora, quando o assunto é vinho, o que queremos, mesmo, é tentar compreender o que está dentro da garrafa. Cor, cheiro, sabor não serão o bastante. Silenciar, nada dizer quanto ao que viu e sentiu não tem razão de ser.

E podemos acrescentar outro agravante: palavra não tem de ser apenas a dita, a emitida pela boca, a sonora. Há, sabemos disso, a palavra escrita.

Portanto, imagens, podem trazer consigo, e acontece muito, a imagem de palavras, vale dizer, no que diz respeito ao rótulo. E, sob o senso prático, podemos crer que a primeira informação real que temos está impressa no rótulo. Ajuda muito, inclusive, podermos ler e compreender o que ele nos diz.

Somemos a imagem da garrafa com a imagem do rótulo, com a taça a receber algo próximo a 150ml do vinho que estava na garrafa (talvez tenha ficado nela por três ou quatro anos, no mínimo), com a cor e movimento percebido: apenas ver esta sequência, em silêncio, não bastará.

 

-----------------------------------------

--------------------------------------------------

A sós ou entre amigos

Óbvio que é possível contestar o que digo de várias maneiras. Uma delas, e a mais imediata, é que há pessoas que bebem sozinhas, por preferência ou força das circunstâncias, seus vinhos prediletos. Ou até mesmo qualquer vinho...

Concordo, é fato. Mas é igualmente fato que essas pessoas podem comentar sobre suas experiências com mais alguém. Ou, quiçá, elaborem discursos internos, na própria mente, no próprio espírito.

Os rótulos fixados nas garrafas de vinho são amplamente variados. Mesmo em um só país a forma e a apresentação textual varia muito. Desde dados a beirar o excesso até quase nenhuma informação.

Sem dúvidas, as artes gráficas produzem rótulos que nos induzem a permanecer admirando cada detalhe por longos minutos. Encantados, os consideramos obras-primas.

Eles podem ser antiquados e elegantes ou incrivelmente modernos e ecléticos. Podem conter termos legalmente definidos e não legalmente definidos, bem como referências a processos de envelhecimento, sobre a idade das vinhas e informações que digam ao consumidor a data do envasamento.

O que temos, nos rótulos das garrafas de vinho, é a quase sempre feliz conjunção entre a palavra e a imagem.

Importante: para cada um que as lê e as vê, outros significados, decerto, irão se manifestar. Os rótulos ultrapassam sua função precípua. Ao longo da história, da Tradição Ocidental, tornaram-se ícones das culturas vitivinícolas. Inspiram a perspectiva heráldica. Atravessam anos e séculos. Representam, à guisa de bandeiras, uma das mais extraordinárias invenções humana: o vinho.

Compartilhe