Por Léo Mittaraquis
Graduado em Filosofia, escritor, crítico literário e obsessivamente enófilo.
Para Marcos Almeida – Espírito clássico digno dos mais altos encômios...
Com respeito ao agradável, cada um resigna-se com o fato de que seu juízo, que ele funda sobre um sentimento privado e mediante o qual ele diz de um objeto que ele lhe apraz, limita-se também simplesmente a sua pessoa. Por isso, ele de bom grado contenta-se com o fato de que se ele diz “o vinho espumante das Canárias é agradável", um outro corrige-lhe a expressão e recorda-lhe que deve dizer "ele me é agradável"; e assim não somente no gosto da língua, do céu da boca e da garganta, mas também no que possa ser agradável aos olhos e ouvidos de cada um.
Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo
O verdadeiro amante da Boa Cultura (tenho pruridos ante a expressão “Alta Cultura”) é, deveras, exageradamente dedicado. Tem ciência disto e, se abriga um espírito tão caracterizado pela boa vontade, pela intenção de compartilhar, afigura-se um pobre ingênuo. O sei bem, creia-me o leitor, pois, até aprender com as pancadas, variando o espectro, ou seja, do simples peteleco até as picaretadas, busquei, debalde, por anos, formar uma comunidade afeita a piqueniques, no estilo “Às Margens do [rio] Mazanares”, como sugeriu Goya, sob alguma figueira, nalgum lugar que recordasse, em nossas almas, em nossas memórias ocidentais, a sagrada gruta de Lupercal, logradouro citado, até mesmo, por Shakespeare em “Júlio César”.
Com o tempo, a vagar com trajes rotos e carne estropiada, compreendi que melhor seria cultuar o Bem, o Bom e o Belo entre pouquíssimos e verdadeiros amigos e amigas. E, antes de tudo, entre mim e o amor da minha vida.
E do Bem, do Bom, do Belo são os vinhos honestos, as comidas elaboradas, a poesia e a ficção imortais.
Ah, sim, evidentemente, a música. Não incluí este essencial e vivificante item no título por entender que ficaria longo em demasia.
Assim, dedico, desde há muito, a mantê-los todos presentes, ao mesmo tempo, se não sempre na condição física, pelo menos na mente, no coração.
Sejamos amantes do Bom e do Belo
Sejamos amantes do Bom e do Belo
Bebo o vinho (seja branco, rosé ou tinto) que me arrebata, ao tempo em que consumo um prato que me eleva, como um “simples” omelete recheado com queijo de cabra; em que leio os neogregos versos de Cavafis, dominar-me com seu pulsante discurso filohelênico; ou trechos da prosa diegética platônica, que a pôr-me entre os habitantes da Atlântida. E, entre estas coisas do meu armazém pessoal, há que se ouvir, à guisa de música ambiente, as sinfonias do finlandês Jean Sibelius, as melancólicas composições para piano de Eric Satie.
Oh, devaneios meus, “Oh, Capitão! Meu Capitão... Vais caído morto e frio...”
Mas há uns poucos, um pequeno e insuspeito magote de bravos, dispostos aos remos dentre as vagas de mares repetidas e incansáveis vezes navegados. Estes que sangram e singram comigo as oceânicas agruras da solidão intelectual e, em simultâneo a cultivam e a festejam.
Sombrio mar cor de vinho...
Dizem não ao demônio meridiano, recusam-se a permitir que o nefasto infecte nossa linfa com o tédio, a secura, o desinteresse.
Estamos, sempre nalgum lugar. Encontramo-nos algures, em torno do bom rótulo: os excelentes vinhos brasileiros, diga-se de passagem. Estes que vergonha não passam diante de rótulos centenários do continente europeu. Amo a ambos, sou fiel aos distintos terroirs, bebo à mãe pátria, bebo à mnemônica nostalgia além-mar.
Bebamos, leiamos, ouçamos bem o que é belo e bom.
Exorto a vós, irmãos meus, inclusive aos que, até este momento, desconheço, mas, suspeito da existência. Combinemos, via iniciáticos gestos pitagóricos, a próxima taverna na qual passaremos, juntos, toda à noite.
Taverna não há de pronto?
Seja o insosso salão de festas dalgum condomínio batizado com um nome pedante, extravagante e sem sentido para o que oferece... Algo como Champs-Élysées ou Monte Carlo... Ou o mais pé-duro estabelecimento numa esquina anônima de distante e periférico bairro...
O importante é que nos reunamos, que conspiremos contra a burrice, contra a permissividade, contra a promiscuidade do vácuo mental que elege a superficialidade e a ignorância como estandarte levado adiante pelo populacho eivado de vaidade insalubre.
E bebamos, e comamos, e declamemos, e citemos com propriedade e mestria.
Sejamos a diferença e a façamos o núcleo duro da fusão controlada das diversas filosofias. Em tempo: das que passaram pela devida peneira estética e que dizem algo de significativo a cada um de nós.
Vivamos a feroz paixão qual homéridas, prossigamos com espanto, thauma, diante do Mundo.
Conservemos, com profundo amor, o vinho, a comida, a literatura, a música.
Desde a noite dos tempos nos alertou o poeta Ovídio: “As águas se corrompem se ficam estagnadas”.
Evoé!