03/07/2024 05:29

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O Almoço dos Barqueiros, pintura de Renoir

Por Léo Mittaraquis
Graduado em Filosofia, escritor, crítico literário e obsessivamente enófilo
.

Foi em 1896 que o pintor adquiriu uma casa em Essoyes. A escritura de venda estipula que o terreno esteja plantado com vinha. Pelos escritos, sabemos que se trata de plantas Gamay. E sim, na época havia muito Gamay, a casta foi até autorizada na zona de Champagne até à década de 1930. Infelizmente para Pierre-Auguste Renoir, a filoxera matou as suas vinhas.

André Deyrieux, Consultor em Patrimônio Cultural do Vinho
 

Que as Belas-Artes mantêm íntima relação com o vinho, parece a mim ser ponto pacífico. Não que seja o impeditivo de estabelecermos discussões em torno do assunto, vale dizer, obras de arte (notadamente telas) e a presença dalguma referência à deliciosa, sagrada, profana, civilizadora bebida.

Certo fato ocorrido, um pouco para depois do meio do século dezenove, a envolver duas figuras marcantes nos campos da pintura e da literatura, e mais uma bela e sedutora mulher, terá, aqui, como centro de gravidade, o vinho.

Tudo começa com a bem conhecida crítica de Emile Zola, autor de "Germinal" direcionada aos impressionistas. Não uma crítica destrutiva como os injustificados ataques que sofreram quando expuseram suas obras.

Aliás, nunca se autodenominaram "impressionistas", na verdade, foi cunhado pelo crítico Louis Leroy após ver uma obra de Claude Monet na Primeira Exposição Impressionista em Paris, em abril de 1874.

A pintura foi intitulada "Impressão, Nascer do Sol" e mostra uma vista do porto industrial de Le Havre com um forte sol laranja refletido em águas roxas. Leroy e outros críticos então aplicaram o termo impressionista/impressionismo.

O Desafio de Émile Zola aos Impressionistas 

O Almoço dos Barqueiros, pintura de Renoir
O Almoço dos Barqueiros, pintura de Renoir

O Almoço dos Barqueiros, Pierre-Auguste Renoir // Reprodução

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O Almoço dos Barqueiros, Pierre-Auguste Renoir // Reprodução

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Voltando à crítica lúcida de Zola: este dizia que o trabalho, em geral, era meio que incompleto, um tantinho ilógico e, talvez, um pouco exagerado. Zola, então, apresentou um desafio: os impressionistas deveriam ousar mais, criar obras mais ambiciosas, mais complexas e que se aproximassem mais do que o escritor e crítico compreendia como vida real.

Um dos artistas impressionistas, Pierre-Auguste Renoir, resolveu aceitar o desafio. Em pouco tempo trouxe à público a tela por ele pintada e intitulada "O Almoço dos Barqueiros". Por sinal, o que se pode ver da festa recriada por Renoir é que a mesma está como que compactada em um espaço ilusório e protegido do sol por toldo listrado.

Ora, se a tela retratava um almoço, um período bem definido do dia, e que se dava bem ao meio do dia, dando dicas quanto à condição climática, no caso um verão muito quente, por que os participantes bebem vinho tinto?

 

Mediante texturas, Pierre-Auguste Renoir indica a alta temperatura

A textura é expressa pela roupa das pessoas. Sua paleta contém adicionalmente vários tons brilhantes e os participantes trazem as faces avermelhadas. O uso de bonés, os braços desnudos sugerem que o evento festivo, dentro do barco, se dá num dia muito quente.

Antes de tentarmos responder a esta questão, há outra, tão importante quanto: como Renoir respondeu ao desafio de Émile Zola sem que, mesmo assim, perdesse o toque impressionista?

A atenta e lenta observação da composição revela o exercício, por parte de Renoir, da aplicação de duas técnicas: aquela qualidade “incompleta” do impressionismo e o uso habilidoso de detalhes complexos, alcançando um resultado ambicioso (como desejado por Zola) incluindo imagens, coisas e pessoas, mais próximas do "real".

A atriz e modelo Ellen Andrée
A atriz e modelo Ellen Andrée

A atriz e modelo Ellen Andrée

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A atriz e modelo Ellen Andrée

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E quanto ao vinho tinto num dia de verão?

Entre os participantes do evento retratado (ainda que a imagem de algumas das pessoas presentes tenha sido produzida individualmente no ateliê), destaca-se, centro da composição, mesmo estando posicionada em terceiro plano e sentada em frente ao Barão Raoul Barbier, ex-prefeito da Saigon colonial, a atriz e modelo Ellen Andrée. Ela bebe vinho tinto numa taça.

Há garrafas de vinho tinto sobre a mesa mais próxima do observador, o que significa que Ellen não está a beber sozinha.

Inverno em Louveciennes, Alfred Sisley
Inverno em Louveciennes, Alfred Sisley

Inverno em Louveciennes, Alfred Sisley // Reprodução

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Inverno em Louveciennes, Alfred Sisley // Reprodução

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A presença incomum do vinho tinto na composição

Renoir aceitara o desafio de Zola. Ou seja: pintar uma tela em que o desfoque impressionista, cromático e conceitual, fosse amenizado. Mas, além das pinceladas, ainda no estilo, ao fundo, o pintor incluiu o vinho tinto.

Um motivo provável, embora não o único, é que, como bem observa o crítico de arte Kriston Capps, Pierre-Auguste Renoir nunca amou o inverno, estação tão cara a outros impressionistas, como, por exemplo, Alfred Sisley, que se vale do friorento tema para pintar uma obra-prima: "Inverno em Louveciennes" ou "Neve em Louveciennes".

E para que as coisas se tornassem ainda mais quentes, Renoir inclui o vinho tinto em quantidade. As faces rubras parecem apontar que, mesmo sob um calor quase infernal, os festivos personagens beberam taças e mais taças.

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Em tempo: esta pintura tem suscitado polêmicas, investigações, relacionadas ao modo muito particular e, em parte, contraditório pelo qual o artista a criou. Intrigas e ressentimentos são levados em consideração nos estudos da tela pelos especialistas. Mas isso é tema para outro artigo.

Minha intenção, nestas presentes e mal traçadas linhas, foi provocar a curiosidade do seleto leitor. Particularmente, sou da opinião de que podemos beber o vinho que escolhermos para a estação e o momento que quisermos.

E que os deuses do bom senso decidam.

Saúde e até a próxima.

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