A dicotomia entre saúde e economia está presente não só no Brasil pandêmico, mas em todo o mundo. Mas vamos nos ater, neste texto, ao nosso país.
Eu leio e ouço nas mídias sociais, nas TVs e jornais muitos brasileiros, de boa índole, dizendo que em primeiro lugar devem vir sempre a saúde e a vida.
E eu me pergunto, a saúde e a vida de quem? E quem não tem como sobreviver e precisa lutar pelo pão de cada dia, todos os dias. Como ter saúde, se não tem comida, como ter vida, se não tem renda?
Existe no Brasil uma clara divisão econômica entre ricos e pobres. Onde esses estão? Em todo lugar.
Pesquisa do IBGE mostra que a metade mais pobre da população vive com uma renda média de R$ 850 por mês e cerca de 4,5 milhões de pessoas, com apenas R$ 165/mês.
Já os 1% mais ricos, cerca de 900 mil pessoas, ganharam, em 2019, R$ 28.659 mensais, 33 vezes a média da metade mais pobre.
A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE mostra que, em 2019, 25 milhões de pessoas viviam com até R$ 250 e outras 63 milhões com até R$ 499 por mês.
Na outra ponta 8,6 milhões tem rendimento per capita superior a R$ 4.990 mensais.
Para finalizar essa enumeração de dados: no mesmo ano, existiam 34 milhões de domicílios sem serviço de esgotamento sanitário, equivalente à metade do total, sendo que na região Nordeste esse percentual sobe para mais de 74%, o que equivale a 13 milhões de residências.
Isso posto, vem a minha preocupação. Como pedir para esses quase 100 milhões de brasileiros que não têm acesso ao saneamento básico que fiquem em casa.
Como dizer-lhes que os cuidados com a saúde têm que vir em primeiro lugar, se o acesso a água potável e esgoto não chega para muitos deles. Como dizer-lhes trabalhem em home office?
É muito simples, para os que estão entre aqueles 1% que ganham acima de R$ 29 mil mensais, onde estão incluídos a enorme maioria dos que estão no topo das carreiras públicas e que são os que determinam o que devemos fazer para enfrentar a pandemia, dizer que a prioridade é a saúde e a vida. A saúde de quem, a vida de quem?
Nessa mesma cúpula da burocracia estatal, os proventos, além de estarem acima dos de 99% dos brasileiros, também são garantidos por toda a vida. Para eles não existem os fantasmas do desemprego e da fome.
No entanto, para a imensa massa ignara, que tem que batalhar o pão de cada dia, a cada dia, não há sobrevivência se não houver esse pão, que não é fruto de uma árvore, mas do suor do seu trabalho, quando ele existe.