Enquanto as atenções continuam voltadas para a covid-19, que já deixou mais de 340 mil mortos nos Estados Unidos, uma outra epidemia com efeitos devastadores se agrava no país: as mortes por overdose de drogas.
Segundo dados divulgados neste mês pelo CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças, agência de pesquisa em saúde pública ligada ao Departamento de Saúde), pelo menos 81,2 mil pessoas morreram por overdose entre junho de 2019 e maio de 2020.
Esse é o maior número já registrado em um período de 12 meses, e representa alta de 18,2% sobre os 12 meses anteriores.
Vítima de overdose sendo atendida por paramédicos nos arredores de Boston, em foto de 2017; novo recorde de casos é esperado nos EUA neste ano, sob aparente influência da pandemia do coronavírus (Reuters)
Todas as regiões do país registraram aumento no número de mortes, provocadas principalmente por opioides sintéticos (especialmente fentanil fabricado ilegalmente), com alta de 38,4% sobre os 12 meses anteriores.
Também houve aumento nas mortes por overdose de estimulantes como metanfetamina (34,8%) e cocaína (26,5%).
Em algumas cidades, como San Francisco, o número de mortes por overdose de drogas neste ano já é bem maior do que o número de óbitos por covid-19.
Até o fechamento desta reportagem, a cidade californiana registrava 182 mortes em decorrência do coronavírus e 621 por overdose.
Epidemia de opioides nos EUA é dividida em ondas, começando por remédios prescrevidos por médicos e culminando com drogas sintéticas ilícitas e metanfetamina (Getty Images)
Quando os dados finais de 2020 estiverem disponíveis, a expectativa é de que este tenha sido o ano mais mortal de uma epidemia que assola os Estados Unidos há décadas e que, segundo especialistas, foi agravada pela pandemia de covid-19.
Apesar de ressaltar que as mortes por overdose já vinham aumentando antes mesmo da chegada do coronavírus, o CDC afirma que a pandemia e as medidas adotadas para conter a doença tiveram impacto negativo.
"O aumento nas mortes por overdose de drogas parece ter sido acelerado pela pandemia de covid-19", diz a agência.
"O maior aumento foi registrado de março a maio de 2020, coincidindo com a implementação de amplas medidas de mitigação da pandemia de covid-19."
"(A epidemia de drogas) é semelhante à covid-19. Falamos em mutação do vírus. Mas a crise de opioides também continua evoluindo e se transformando" (Science Photo Library)
O agravamento atual da crise ocorre depois de um breve período de melhora.
Em 2018, o número de mortes por overdose nos Estados Unidos caiu pela primeira vez em 25 anos. Naquele ano, foram registrados 67.367 óbitos, redução de 4,1% sobre 2017.
As mortes voltaram a crescer em 2019, ultrapassando 70 mil e impulsionadas pelo fentanil fabricado ilegalmente e por outros opioides sintéticos ilícitos.
Especialistas acreditam que essa alta, reiniciada no ano passado, tenha sido acelerada pela pandemia de coronavírus.
Programa de atendimento a viciados em opioides em Baltimore, em foto de julho de 2020; "É necessário que seja mais fácil para um dependente conseguir tratamento do que conseguir drogas", diz especialista (EPA)
O impacto só poderá ser completamente analisado quando os dados finais de 2020 forem divulgados, dentro de alguns meses.
Mas há várias maneiras pelas quais a pandemia pode ter agravado a crise e interferido na capacidade de tratar os dependentes.
Os lockdowns e medidas de distanciamento adotados para combater o coronavírus levaram a interrupções em serviços sociais e de saúde.
Consultas médicas e sessões de aconselhamento em grupo foram reduzidas.
O isolamento pode ter levado muitos a usarem drogas sozinhos, sem ter a quem recorrer em caso de overdose, o que aumenta o risco de morte.
Alguns especialistas lembram que a crise econômica e a alta no desemprego afetaram a renda de muitos usuários.
Sem dinheiro, podem ter reduzido o uso e, assim, diminuído sua tolerância à droga, o que aumenta o risco de overdose quando voltam a consumir como antes.
Especialistas dizem que, para que o número de mortes comece a cair, é necessário um investimento pesado e de longo prazo do governo.
"Precisamos de uma expansão dramática no acesso a tratamento eficaz, e ainda não vimos isso", diz o médico especialista em abuso de drogas Andrew Kolodny, da Universidade Brandeis, no Estado de Massachusetts.
"É necessário que seja mais fácil para um dependente conseguir tratamento do que conseguir drogas"
Com informações da BBC News