Os relatos de violência e prisões de participantes nos protestos históricos de domingo (11) em Cuba, os mais importantes desde o ‘maleconazo’, a gigantesca manifestação de 1994, estão se multiplicando.
A rádio francesa RFI tenta entrevistar uma série de ativistas desde a manhã desta terça-feira (13), mas com o corte da internet e da telefonia celular na ilha, além das numerosas prisões de opositores, o contato vem se tornando mais difícil.
Confira abaixo o depoimento de alguns desses moradores de Havana.
Homem é preso durante manifestação contra o governo do presidente cubano Miguel Diaz-Canel no domingo, em Havana (Yamil Lage/AFP)
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Sobrecarregados pela crise sanitária e econômica, milhares de cubanos saíram às ruas de várias cidades, inclusive na capital Havana, para protestar contra a falta de medicamentos contra a Covid-19, os apagões elétricos e a fome, bem como para pedir a “redemocratização” da ilha.
“Sempre há medo de represálias, mas as pessoas, principalmente os jovens, vão às ruas para que isso mude”, declarou Iris Ruiz, do Movimento San Isidro, à RFI.
Ela afirma não ter notícias de vários membros do movimento que foram detidos no domingo, como os colegas Luis Manuel Otero, Amaury Pacheco e Manuel Costa Murúa.
Cerca de 100 pessoas foram presas em Cuba após os protestos históricos do fim de semana, incluindo os dissidentes Guillermo Fariñas, José Daniel Ferrer e Luis Manuel Otero Alcantara, segundo várias fontes concordantes (Fotos: Getty Images)
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O diretor de teatro cubano Yunior Garcia, um dos líderes do movimento 27N, nascido após uma manifestação inédita de artistas em 27 de novembro de 2020 para exigir mais liberdade de expressão em Cuba, também foi preso no domingo, e libertado na tarde de segunda-feira.
Ele contou sua experiência nas redes sociais, explicando que viajou no domingo com um grupo de amigos ao Instituto Cubano de Rádio e Televisão (ICRT) para pedir para falar por 15 minutos diante das câmeras.
"Mas uma horda de conservadores radicais e vários grupos de Resposta Rápida (forças de segurança à paisana) nos disseram não e fomos atropelados, arrastados à força e jogados em um caminhão, como sacos de entulho", denunciou.
“Fomos tratados como lixo”, disse ele, explicando que havia sido transferido para o centro de detenção Vivca, em Havana, onde assistiu à “chegada de dezenas de jovens”.
“Há um estado de terror insuportável [em Cuba]”, disse outro cubano entrevistado anonimamente.
“Os vídeos que aparecem nas redes são horríveis pelos níveis de repressão alcançados”, acrescentou.
“Houve tiros, houve violência, houve repressão. É importante esclarecer que em Cuba as únicas armas disponíveis estão nas mãos da polícia e das Forças Armadas, portanto todos os tiros ouvidos só vieram da polícia ”, informou uma outra fonte de Havana à RFI.
“O governo também pede que os membros do Partido Comunista de Cuba saiam para enfrentar o povo, de alguma forma para que se veja que esses protestos são confrontos entre os chamados revolucionários e aqueles que não estão satisfeitos”, acrescentou a mesma fonte.
O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, pediu ao governo cubano na segunda-feira (12) que "permita essas manifestações pacíficas e ouça as manifestações de descontentamento".
A internet móvel, que chegou a Cuba no final de 2018 e permitiu a transmissão ao vivo de cerca de 40 protestos contra o governo em toda a ilha no domingo, foi cortada na segunda-feira, assim como boa parte da rede de telefonia celular.
As ruas de Havana são constantemente vigiadas pela polícia e forças do exército.
Dezenas de pessoas, incluindo jornalistas cubanos independentes, foram presas e seus parentes compareceram a postos policiais na segunda-feira para procurá-los.
Entre os detidos está a correspondente da rede ABC em Cuba, Camila Acosta, presa após reportar os protestos.
Grande defensora de Cuba desde os tempos soviéticos, a Rússia advertiu contra qualquer "ingerência externa (...) que favoreça a desestabilização da situação na ilha".
Outro aliado importante, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, ofereceu apoio a seu homólogo, Miguel Díaz-Canel.
“Todo o apoio ao povo de Cuba, ao governo revolucionário de Cuba”, disse.
O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, ofereceu enviar ajuda humanitária a Cuba e rejeitou o que chamou de políticas "intervencionistas".
Por seu lado, o presidente argentino, Alberto Fernández, exigiu o fim do embargo norte-americano, que qualificou de "desumano".
Já o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, escreveu em seu Twitter:
“Todo o apoio e solidariedade ao povo cubano, que bravamente pede o fim de uma cruel ditadura.”
Com informações da RFI/AFP