A Pfizer pediu a alguns países que colocassem seus ativos soberanos --que incluem edifícios de embaixadas e bases militares-- como garantia contra o custo de futuros processos judiciais por efeitos colaterais.
É o que revela uma investigação conduzida pelo Bureau of Investigative Journalism, com sede em Londres, no Reino Unido, e pelo jornal investigativo OjoPúblico, do Peru.
The Bureau of Investigative Journalism é uma iniciativa sem-fins-lucrativos criados por jornalistas do Reino Unido
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Um funcionário que esteve presente nas negociações do laboratório norte-americano descreveu as demandas da Pfizer como "intimidação de alto nível".
Ele disse que o governo [de um país não-identificado] sentiu que estava sendo "chantageado" para ter acesso às vacinas.
Na Argentina e no Brasil, a Pfizer solicitou que os ativos soberanos fossem colocados como garantia para cobrir possíveis custos legais futuros.
No Peru, a Pfizer teria solicitado a inclusão de cláusulas que isentassem a farmacêutica de responsabilidade pelos eventuais efeitos adversos da vacina.
Incluía também a responsabilidade pelo atraso na entrega dos lotes ou em futuras ações judiciais e indenizações.
(Getty Images)
Recentemente, especialistas jurídicos expressaram preocupação com o fato de os processos da Pfizer constituírem um abuso de poder.
“As empresas farmacêuticas não devem usar seu poder para limitar as vacinas que salvam vidas em países de baixa e média renda”, disse o professor Lawrence Gostin, diretor do Centro de Colaboração da Organização Mundial de Saúde sobre Leis de Saúde Nacional e Global.
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A figura jurídica da "isenção de responsabilidade" não deve ser usada como "uma ameaça pairando sobre as cabeças de países desesperados com populações desesperadas", acrescentou.
“[Isso] parece ser exatamente o que eles estão fazendo", afirmou, em relação ao relatório
Nesta quarta-feira(24), o presidente Bolsonaro voltou a criticar a cláusula imposta pela Pfzer de não se responsabilizar por eventuais efeitos colaterais da vacina.
“Essas negociações implicam em discussões das cláusulas exigidas. Nós temos sido muito duros e eles têm sido mais duros do que a gente. Eles não afrouxam uma vírgula”, disse Pazuello, ministro da Saúde, na mesma ocasião.
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A Pfizer declarou ao Bureau of Investigative Journalism que, globalmente, o laboratório aloca doses para países de baixa e média-baixa renda a um preço sem fins lucrativos.
"Estamos comprometidos para apoiar os esforços para fornecer aos países em desenvolvimento o mesmo acesso às vacinas que o resto do mundo", disse o porta-voz da Pfizer, apesar da recusa em comentar as negociações privadas em andamento.
A maioria dos governos oferece indenização ("isenção de responsabilidade") aos fabricantes de vacinas dos quais compram os imunizantes.
Isso significa que um cidadão que sofre um evento colateral após a vacinação pode entrar com uma ação contra o fabricante e, se for bem-sucedido, o governo pagaria a indenização.
"A Pfizer se comportou mal com a Argentina", disse Ginés González García, então ministro da Saúde da Argentina. "Eles mostraram uma intolerância tremenda conosco", avaliou.
García renunciou no sábado passado depois que se soube que algumas pessoas furaram a fila de vacinação (Juan Mabromata/AFP).
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Funcionários do governo argentino e do país que pediu para não ser mencionado neste relatório indicaram à equipe de investigação que consideravam que as demandas da Pfizer iam além das de outros fabricantes.
Isso representaria um ônus adicional para alguns países, porque significa ter que contratar advogados especializados e, às vezes, aprovar uma nova legislação complexa, a fim de isentar os fabricantes de suas responsabilidades.
As mesmas demandas foram feitas ao Ministério da Saúde do Brasil.
A Pfizer pediu indenização e pediu ao ministério que colocasse ativos soberanos como garantia, além de criar um fundo de garantia com dinheiro depositado em conta no exterior.
Em janeiro, o ministério brasileiro rejeitou essas condições, chamando-as de "abusivas".
Com informações do Bureau of Investigative Journalism