Tema Livre

Edição: Hugo Julião
14:35
20/03/2021

Artigo: "O flagelo que nos aflige e a fome dos outros", por Hugo Julião

O flagelo da Covid-19 invadiu as nossas vidas, trazendo a morte para perto de nós. De repente, perdemos entes queridos, um parente, um amigo, alguém do condomínio ou da mesma rua, do trabalho, da sala de aula, dos grupos do WhatsApp... 

Ou então lá se foi mais uma celebridade, o que nos deixa triste, se for do nosso lado, ou contidamente feliz, se for do outro.

E quando nada disso nos atinge, vem a estatística das mortes do dia nas manchetes dos jornais, que explodem nas redes sociais.

Publicado no Jornal da Cidade

A morte pelo vírus banalizou as outras. Quando se sabe que alguém morreu, vem sempre a pergunta inexorável: foi de Covid?

Sendo afirmativa a resposta, seguem-se todas as conjecturas a respeito do falecido: a tragédia que atingiu a família, se tinha comorbidades, se tinha futuro promissor, se era do grupo de risco, se era negacionista, fascista, corrupto, ladrão, santo de pau oco ou um ser bondoso, respeitável e obediente às normas da Organização Mundial da Saúde etc.

No entanto, se a resposta for “não foi o coronavírus” segue-se apenas um lamento, quase burocrático, e vida que segue, sempre na expectativa da próxima morte pelo vírus.

Em apenas um ano, a classe média mundial sentiu na pele o que a plebe ignara - principalmente os habitantes da África Subsaariana, também conhecida como “África Negra” - conhecem de perto, desde o nascimento e por toda a vida: a morte.

Por lá e por outras regiões pobres do mundo, os flagelos são outros e perenes. O maior deles é a fome que, só neste ano, já matou mais de 1.900.000 pessoas (Fonte: The World Counts). 

É fato: em apenas 80 dias de 2021, a fome já ceifou mais vidas do que a Covid-19 em todo o ano de 2020.

Mas, disso – de fome - não perdemos nenhum ente querido, nem parentes, nem amigos, nem mesmo alguém do condomínio, da mesma rua, do trabalho, da sala de aula, dos grupos de WhatsApp...

De fome, não se perdem celebridades. Mas, se acontecesse, isso nos deixaria triste, se fosse do nosso lado, ou contidamente feliz, se fosse do outro.


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Hugo Julião é jornalista e editor do portal aracaumagazine.com.br

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