29/01/2023 09:29

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Quando começou a estudar canto, Vivian Fróes Ferrão tinha 13 anos e o gênero masculino ainda em seu nome e documentos.

Como todo "menino" com voz muito aguda, porém, o tom que lhe parecia mais natural era recebido ao redor com estranhamento e preconceito.

Só em seu quarto, escondida, ela cantava as músicas que mais gostava, e, nas aulas, o repertório era cuidadosamente escolhido para não revelar seu verdadeiro tom.

Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

"Com o tempo, eu tive coragem, e um dia levei uma música mais aguda que eu costumava cantar do jeito que eu gostava. O professor me incentivou muito, e isso me surpreendeu. E aí eu comecei a treinar na aula e a me aprofundar no canto", disse Vivian, que hoje tem 31 anos, é cantora lírica e preparadora vocal.

Ela concedeu entrevista à Agência Brasil na Semana da Visibilidade Trans.

"Por uma grande parte da minha vida, eu cantei com voz feminina sem me identificar enquanto mulher trans, porque eu nem sabia o que era transexualidade.

Eu me identificava com os contratenores, uma classificação vocal para homens com voz muito aguda", explicou.

Descobrir que podia ser um contratenor fez com que a Vivian da época sentisse que tinha um lugar na música, mas permanecia o desconforto de ainda não reconhecer sua verdadeira identidade de gênero e o preconceito por ser considerada "feminina demais" em diversos outros espaços que frequentava.  


Canto erudito
 

"Um episódio que me marcou muito foi quando procurei um professor de canto para fazer aula de canto erudito, e ele morava muito longe. Depois de horas de viagem de ônibus, cheguei na casa dele, e, quando eu comecei a cantar, ele falou para baixar uma oitava [mudar para um tom mais grave]", recordou ela, que foi recriminada ao responder que aquele era o tom em que cantava.

"Ele disse que eu não podia cantar naquela oitava porque eu era homem. Disse que não existia contratenor e perguntou se eu era castrati, se eu tinha feito castração", revelou.

Na história da música lírica na Europa, os castrati eram cantores que tiveram seus órgãos genitais mutilados antes de passarem pela puberdade, para evitar que o amadurecimento do corpo provocado pelos hormônios masculinos afetasse a voz aguda que tinham na infância. 

"Ele não quis me ouvir cantando e me mandou embora.

E eu voltei de lá chorando muito. Essa foi só uma das situações que eu passei.

Isso tudo me deixava muito mal, e eu voltei a cantar escondida", recordou.

 

Veja uma apresentação de Vivian:

Regência de corais
 

Mesmo assim, Vivian cursou Música na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Na graduação, procurou professores que aceitassem sua forma de cantar, e foi, então, que passou a caminhar para a música lírica profissional e para a regência de corais, sua especialidade. 

"Essa voz moldou muito do que eu sou", afirmou ela, que se reconheceu uma pessoa trans com 18 anos, durante a faculdade.

"A voz é um elemento extremamente importante na vivência e na identidade das pessoas trans. A voz tem um peso muito grande na questão de gênero das pessoas trans e em como se dá a formação dessa identidade. Não só externamente, mas internamente também", acrescentou.

Vivian contou que se assumir como uma mulher trans fez com que sua voz tivesse uma outra leitura por parte da sociedade, que passou a considerá-la condizente com seu

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