Serviços do app foram descontinuados na cidade em 2020, o que causou misto de decepção e alívio
Foto: OLIVIER DOULIERY / AFP
Nos Estados Unidos, mais de 150 milhões de pessoas estão enfrentando a possibilidade de uma nova realidade: a vida sem o TikTok.
O popular aplicativo de vídeos está no centro de uma batalha contínua, com legisladores pedindo uma proibição total e a empresa se retratando como um espaço comunitário crítico, plataforma educacional e simplesmente algo divertido.
Em Hong Kong, não é preciso imaginar essa realidade: o TikTok descontinuou seus serviços por lá em 2020.
Sua saída abrupta foi recebida com reações mistas: decepção de alguns usuários e criadores de conteúdo, mas também alívio de outros que dizem que a vida é melhor sem a rolagem infinita do aplicativo.
Na época de seu lançamento, o TikTok tinha uma presença relativamente modesta na cidade e não era onipresente como hoje nos EUA.
Mas as reações variadas à sua saída e a maneira como os usuários migraram para outras plataformas ou até comunidades da vida real oferecem aos americanos um vislumbre de seu futuro potencial sem TikTok.
O TikTok anunciou sua saída de Hong Kong em julho de 2020, uma semana depois que a China impôs uma polêmica lei de segurança nacional na cidade.
A decisão veio quando o aplicativo tentou se distanciar da China e de sua controladora ByteDance, com sede em Pequim, diante da crescente pressão nos EUA sob o governo Trump.
Mas isso significou uma parada brusca para criadores como Shivani Dukhande, que tinha cerca de 45 mil seguidores na época em que o aplicativo saiu de Hong Kong.
Dukhande, de 25 anos, viu sua conta decolar no início de 2020 durante a pandemia com conteúdo de estilo de vida, como culinária e vídeos de bem-estar.
“Havia muitos novos criadores surgindo. Costumávamos colaborar juntos, tínhamos um bate-papo [em grupo] onde todos conversávamos e trocávamos ideias e isso criava uma comunidade”, disse ela.
O ímpeto começou a crescer. As empresas começaram a procurar a jovem, pagando por conteúdo patrocinado e colaborando em campanhas publicitárias. As marcas começaram a fazer parcerias com criadores em “desafios” de tendências em uma tentativa de atrair novos consumidores jovens.
“Mais pessoas estavam se juntando e estava se tornando uma coisa tão divertida de se fazer. Então, meio que [o app] foi embora uma manhã”, relatou.
“Se continuasse, provavelmente eu poderia ter ganhado o suficiente para desistir do meu trabalho regular. Se eu tivesse a chance de crescer, poderia ter sido uma carreira em potencial”, ponderou.
Esse é um dos principais argumentos que o TikTok fez nas últimas semanas nos EUA.
Em março, enquanto o CEO da empresa se preparava para testemunhar perante o Congresso, o TikTok produziu uma série documental destacando os proprietários de pequenas empresas americanas que dependem da plataforma para sua subsistência.
A plataforma é usada por quase cinco milhões de empresas nos Estados Unidos, informou o TikTok em março. E ele está prestes a superar os rivais: a empresa de pesquisa Omdia, com sede em Londres, projetou em novembro que as receitas de publicidade do app excederão as receitas combinadas de anúncios em vídeo da Meta – casa do Facebook e Instagram – e do YouTube até 2027.
Isso ocorre em parte porque as pessoas estão gastando mais tempo no TikTok.
No segundo trimestre de 2022, os usuários em todo o mundo gastaram uma média de 95 minutos por dia no aplicativo, de acordo com a empresa de análise de dados SensorTower – quase o dobro do tempo que os usuários gastaram no Facebook e no Instagram.
Mas, em Hong Kong, outras plataformas surgiram para preencher a lacuna. Reels, o produto de vídeo de formato curto do Instagram, com recursos semelhantes ao TikTok, como uma rolagem infinita, está crescendo rapidamente – e Dukhande entrou a bordo.
Ela teve que reconstruir seu público do zero e agora tem 12.500 seguidores no Instagram, mas se sente otimista com o crescimento. Ainda assim, o fato com o TikTok foi uma “oportunidade perdida”, ressaltou, e a crescente comunidade de criadores desapareceu de vista.
“A quantidade de empregos, a quantidade de criação de conteúdo, a quantidade de oportunidades de marketing que existiam com o TikTok – meio que perdemos toda essa parte”, continuou.
Mas, para algumas pessoas, a saída do TikTok foi uma mudança bem-vinda.
Poppy Anderson, de 16 anos, usa o aplicativo desde seu lançamento, em 2018. E, como muitos outros de sua geração, ela passava horas “rolando e rolando” a tela – mesmo quando se sentia insatisfeita.
“Foi muito fácil encontrar exatamente o que você gosta lá, porque a página For You [executada por algoritmo] mantém você lá. E é divertido, mas você realmente não ganha nada com isso”, explicou.
Ela descreveu o TikTok como frequentemente um ambiente tóxico que gera pensamento estreito, mentalidade de rebanho, uma “cultura de cancelamento” equivocada e comportamento online inapropriado, como criticar os corpos de meninas e mulheres.
Mesmo as pessoas que ela conhecia na vida real começaram a agir de maneira diferente depois de entrar no aplicativo, o que prejudicou as amizades, segundo a jovem.
Martin Poon, 15, também se cansou do TikTok, mas foi difícil parar.
“Todo mundo estava usando, então sinto que há uma sensação de que você deve usá-lo, precisa estar no controle das coisas, precisa saber o que está acontecendo. E acho que isso foi estressante para mim ”, afirmou ele.
A desinformação e a misoginia correram soltas no TikTok, com contas como as de Andrew Tate, o autodenominado “macho alfa”, recentemente detido na Romênia sob acusações de tráfico humano e estupro, ganhando popularidade entre os meninos na escola de Poon.
“É apenas sobre como [essas contas] têm tanto impacto sobre os jovens, e tem tanto controle sobre o que pensamos e como isso afeta nosso comportamento”, ponderou Poon – embora tenha acrescentado que a desinformação é um grande problema em todas as redes sociais, não apenas TikTok.
Os especialistas há muito tempo se preocupam com o impacto do TikTok na saúde mental dos jovens, com um estudo afirmando que o aplicativo pode revelar conteúdo potencialmente prejudicial relacionado a suicídio e distúrbios alimentares para adolescentes minutos depois de criarem uma conta.
Em resposta à pressão crescente, a plataforma anunciou recentemente um limite diário de tela de uma hora para usuários menores de 18 anos, embora eles possam desativar essa configuração padrão.
Anderson reconheceu alguns pontos positivos sobre o TikTok, como conversas abertas sobre saúde mental. Ainda assim, ela ficou feliz quando o aplicativo ficou inacessível. Adormecer ficou mais fácil sem a atração do TikTok. “Eu não tinha autocontrole para parar sozinha”, disse ela.
Para Poon e sua amiga Ava Chan, também de 15 anos, o desaparecimento do TikTok deu início a novos começos.
Quando o aplicativo descontinuou os serviços em 2020, elas estavam fazendo aulas online, isoladas dos amigos e entediadas em casa. Na época, os Reels do Instagram e YouTube Shorts ainda não haviam chegado a Hong Kong.
“Tivemos que descobrir como usar nosso tempo além de estar no TikTok. Para nós, isso foi explorar mais nossas paixões”, avaliou Chan.
Para ambas, isso veio em defesa da comunidade neurodiversa.
Elas lançaram um clube na escola que divulga educação e conscientização sobre a neurodiversidade, além de participar de atividades voluntárias com pessoas neurodiversas.
Ambas disseram que isso lhes deu um senso de propósito e, com o passar do tempo, viram outros benefícios.
Seus amigos, que antes passavam o tempo filmando e assistindo TikToks juntos, começaram a ter mais conversas cara a cara.
Elas notaram que os colegas começaram a se exercitar mais ao ar livre, o que ficou mais fácil quando as restrições contra a Covid-19 foram suspensas. Além disso, sua saúde mental melhorou.
É claro que, sendo adolescentes, eles não estão totalmente fora das mídias sociais e as usam como uma ferramenta para promover seu clube – mas está longe das horas anteriores de rolagem.
E enquanto eles ocasionalmente se perguntam o que está acontecendo no TikTok fora de Hong Kong, o fascínio disso se perde quando ninguém mais ao seu redor o usa.
“Muitas pessoas simplesmente se esqueceram disso, As pessoas mudam para plataformas diferentes – ou simplesmente seguem em frente”, finalizou Anderson